O reencontro das costas do Atlântico
O artista Ayrson Heráclito construiu uma obra que trata da herança e das influências históricas, culturais, sociais e religiosas da chegada dos africanos ao Brasil e, em especial, à Bahia, sua terra natal e primeiro estado do país a receber africanos transportados como escravos da África. Sua visita ao memorial e museu dedicados à memória do tráfico de escravos africanos na Ilha de Gorée, no Senegal, resultou na vídeo performance Les Retrouvailles des Côtes de L’Atlantique, que o artista apresenta na exposição Généalogies des Matières, ao lado de trabalhos em fotografia, escultura e instalação. A abertura aconteceu na sede da Raw Material Company, em Dakar, Senegal, no dia 22 de maio.
A exposição é resultado da pesquisa conduzida por Heráclito durante o período em que esteve em residência artística, prêmio com o qual foi contemplado no 18º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil (2013) pela obra Funfun (2012). Essa videoinstalação é um réquiem para uma mãe-de-santo falecida aos 105 anos em Cachoeira, cidade de residência do artista. A partir do foco de sua pesquisa, o júri internacional de premiação do 18º Festival e os parceiros do Programa de Residências Videobrasil optaram pela inserção do artista no programa oferecido pela Raw Material Company, centro de arte que promove a valorização e o crescimento da criatividade artística e intelectual na África.
Em 2014, o artista participou da exposição Memórias inapagáveis – um olhar histórico no Acervo Videobrasil, com curadoria de Agustín Pérez Rubio, com o vídeo Barrueco (2004), criado em parceria com Danillo Barata. Participou ainda de um dos encontros dos Programas Públicos dessa mostra, apresentando a performance Batendo Amalá. Entre 2015 e 2016, Memórias inapagáveis passará por países como Argentina (Museu de Arte Latinoamericano de Buenos Aires), Espanha (Museo de Arte Contemporánea de Vigo), México e Alemanha.
Em março de 2015, o baiano foi um dos oito artistas brasileiros selecionados por Marina Abramović para participar da sua maior exposição na América Latina, Terra Comunal, também no Sesc Pompeia. Heráclito apresentou a performance Transmutação da carne durante a abertura da exposição, com performers que vestiam roupas feitas de carne seca marcadas a ferro quente pelo próprio artista, tal como eram identificados os negros escravizados até o século XIX no Brasil. Em sua contribuição para o FF>>Dossier 036, dedicado a Heráclito, a curadora e crítica de arte Alejandra Hernández Muñoz situa Transmutação da carne – e o vídeo homônimo ao qual deu origem, de 2005 – como parte de uma “tetralogia da escravidão” formada ainda por Sangue, sêmen e saliva (2006), Barrueco (2004) e As Mãos do epô (2007), nos quais utiliza o azeite de dendê devido a suas ligações objetivas e mítico-simbólicas com a terra-mãe África.
O registro da performance Batendo Amalá (2014), as vídeos instalações Funfun (2012) e Buruburu (2010), e os vídeos As Mãos do Epô (2007) e Barrueco (2004) integram o Acervo Videobrasil.