Biografia comentada Eduardo de Jesus, 09/2006
Andrés Denegri (Buenos Aires, 1975) integra a potente cena argentina de arte eletrônica, ao lado de artistas como Marcello Mercado, Mariela Yeregui, Gabriela Golder, Ivan Marino, Gustavo Romano e Gustavo Gallupo, entre muitos outros. A situação de destaque da arte eletrônica do país se deve não só à qualidade dos trabalhos, mas à incansável ação de curadores, professores e teóricos como Jorge La Ferla, Graciela Taquini e Rodrigo Alonso, que vêm mapeando a produção local em mostras e publicações.
Como outros artistas argentinos, Denegri transita entre as várias possibilidades do ambiente audiovisual. Graduado em direção cinematográfica pela Universidad del Cine, divide-se entre uma intensa produção artística (de vídeos, instalações, documentários e programas experimentais de televisão; como VJ, ligado ao grupo eletrônico Tekhne), atividades acadêmicas e curadorias. Também atua no fomento da produção independente em vídeo e novas mídias na América Latina. Com Gabriela Golder, coordena o Centro de Investigação para o Desenvolvimento da Criação Audiovisual - Continente, ligado à Universidad Nacional de Tres de Febrero.
As experiências voltadas para o desenvolvimento da produção audiovisual começam cedo na trajetória de Denegri, entre 1997 e 2002, quando atuou como coordenador da área de cinema, vídeo e multimídia do Centro Cultural Ricardo Rojas. Sua própria produção nasce ainda antes de finalizar a graduação. Desde seus primeiros trabalhos, como Yo estoy aquí, colgado de la ventana (1997) ou Cuando vuelvas vamos a ir a comer a Cantón (2001), destaca-se pela singularidade no uso dos recursos de edição. Muitas vezes voltados para uma pesquisa formal, que toma como ponto de partida a fotografia ou mesmo a imagem quase parada, como se viesse de uma câmera de vigilância, os vídeos de Denegri restituem o movimento às fotografias por meio da edição, gerando com isso novos sentidos.
Em Cuando vuelvas..., as fotografias são exibidas no vídeo por movimentos que escondem um rosto, enquanto a locução sussurrada de uma carta de amor amplia os sentidos da imagem, tensionando o íntimo e o público. A situação de confronto será retomada em outros trabalhos, que sobrepõem de diversas formas próximo e distante, público e privado, real e fantasia. Em Acerca de Bony (2004), sobre o artista Oscar Bony, figura central na produção artística argentina dos anos 1960, mais uma vez imagens quase paradas, associadas a ruídos (de tiros, de projeção) e a uma série de contradições e paradoxos constroem uma situação complexa, muito sintonizada com o universo de Bony.
A obra também é exemplar do forte vínculo que Denegri mantém com a produção de documentários e do modo como opera as passagens entre os diversos gêneros. Seus documentários, assim como os programas de TV (Duchamp; Buenos Aires no existe, 2005), parecem absorver aspectos formais típicos dos trabalhos mais experimentais e voltados para a videoarte. Juego de Manos (1999), realizado com a artista e professora Matilde Marín e ganhador do prêmio de melhor obra audiovisual da Associação Argentina de Críticos de Arte, Viridiana (2001) e o longa-metragem Luján (2004), sobre a peregrinação anual de fiéis de Buenos Aires até a Basílica de Nossa Senhora de Luján, padroeira da Argentina, são incursões cada vez mais maduras, e não por isso menos experimentais, ao documental.
Obra-tema desta edição, a ficção experimental Uyuni (2005) retoma a tensão entre lugares e esferas diversas, que Denegri reforça ao associar cada um dos dois personagens centrais a uma qualidade diferente de imagem (vídeo, película). Com outra finalidade, mais ligada à exploração da memória, a fotografia reaparece em El ahogo (2006). Neste vídeo delicado, Denegri parte de imagens familiares e domésticas, restituindo-lhes o movimento com uma edição sofisticada, que parece recobrar os próprios movimentos dispersivos da memória. Ao sobrepor fragmentos de imagens da memória política da Argentina, mais uma vez parece usar de procedimentos formais e conceituais para incrustar elementos de universos distantes e gerar tensão, neste caso entre memórias coletivas e familiares.
Memórias pessoais e coletivas - da mesma natureza - são o tema de uma das principais curadorias já realizadas pelo artista, em parceria com Gabriela Golder: a recente Ejercicios de Memoria - Reflexiones sobre el horror a 30 años del golpe (1976-2006), que reuniu obras de dezoito artistas centradas em memórias pessoais da ditadura militar na Argentina no Museo de la Universidad de Tres de Febrero, em Buenos Aires.