Biografia comentada Ralph Borland, 04/2009
Aos vinte anos, Dan Halter saiu do Zimbábue natal para estudar na Schule für Gestaltung, em Zurique. A experiência europeia aprofundou ainda mais a fascinação do artista por seu continente de origem. Depois de se sentir como “um outsider” em território suíço, terminou sua formação em arte na África do Sul, país onde decidiu estabelecer vida e carreira.
No exílio “autoimposto” que o zimbabuano e sua família realizam – ele, na África do Sul, os pais do artista, na Europa – a relação que Halter mantém com o país de nascimento é de ininterrupta observação, reflexão e crítica, rotina que alimenta seus projetos.
“Os revolucionários que lutaram contra a velha guarda agora estão no governo. São pessoas que tiveram todos os seus direitos roubados; muitas foram presas injustamente. É compreensível que a corrupção e o crime tenham aparecido, já que estão tomando de volta o que lhes foi negado por um longo tempo”, afirma.
Mas não se entenda o exercício como uma incitação ao posicionamento político: “Não sei se me definiria como um ativista per se”, diz o artista, que não se vê como “alguém que usa seu trabalho para forçar mudanças”.
Em 2006, a Cidade do Cabo serviu de cenário para a primeira individual de Halter. Na exposição, abrigada pela galeria de arte contemporânea João Ferreira, o artista evidenciou a multiplicidade de recursos que caracteriza sua obra: o uso de uma miríade de materiais, como moedas, comprimidos, pedras ou uma mesa de bilhar, e de diversas linguagens e suportes, onde cabem vídeo, instalação, assemblage, performance, criação de objetos.
A mostra incluía Untitled (Zimbabwean Queen of Rave), vídeo selecionado para o 16º Videobrasil (2007) e que deu a Halter o Prêmio Videobrasil de Residência no Capacete. A obra surgiu de reminiscências da adolescência adicionadas a experiências posteriores. “Em 1991, eu estudava no mesmo colégio do irmão de Rozalla, quando o onipresente single dela, Everybody’s Free (to feel good), foi lançado. Foi surpreendente ter uma canção zimbabuana no topo das paradas internacionais de música”, relembra.
Algumas das criações mais recorrentes na obra de Halter – mapas de seu país confeccionados com linhas, tiras de livros ou listas telefônicas, em tramas que envolvem expressões, aforismos e ditados populares – foram iniciadas em 2005, com I don’t know what to believe anymore.
A série cartográfica prossegue no ano seguinte. O mapa do Zimbábue passa a ser acompanhado de listas de nomes de habitantes da ex-colônia britânica e novas frases: na obra More Fire, “Many millet grains do not make porridge” [muitos grãos de milho não fazem mingau]; em My Last Resort, “When days are dark, friends are few” [quando os dias são sombrios, os amigos são poucos]. O dito “Never say never” [nunca diga nunca] está no trabalho homônimo, no qual estão costuradas notas de dinheiro zimbabuano; e “Yes Boss” [sim, chefe], aparece em obra de mesmo nome, composta por cédulas da antiga Rodésia.
Em 2007 e 2008, nomes de milhares de habitantes de Londres e a lista telefônica da capital do Zimbábue, Harare, cidade natal do artista, constituíram matérias-primas de novas cartografias, como Space of Aids.
A doença – que, segundo se estima, afeta 15% da população zimbabuana – se faz presente em outras criações recentes. Em HIV (Henry the Fourth), portadoras do vírus que recebem tratamento em uma clínica da Cidade do Cabo colam contas a um retrato do rei inglês cujo nome serve de apelido local para o vírus. Também de 2007, em safe as fuck, Halter combina fitas vermelhas e agulhas, expostas sobre fundo preto.
Em 2009, Halter representa o Zimbábue na 10ª Bienal de Havana, mostrando instalações que envolvem sacolas plásticas usadas por imigrantes clandestinos ao redor do mundo, numa referência aos “aliens ilegais e à xenofobia que resulta da invasão de estrangeiros”, como define.