Entrevista Marcelo Rezende
De que forma se deram suas primeiras experiências envolvendo produção poética e tecnologia?
Foi em 1985, com um computador. Eles não eram ainda mecanismos tão complexos e precisavam de processadores independentes. Era uma atmosfera muito diferente em relação a hoje. Para a ilustração, você fazia um risco, sem cor, sem nada, e depois de certos processos poderia ter o produto, e era um trabalho muito duro. Na verdade, não me interesseipelo aspecto 3D da coisa; poder trabalhar em três dimensões, não foi o que me atraiu. Minha origem está nas artes plásticas e no design gráfico. Quando comecei a trabalhar, me comportava um pouco como um tipo de “pintor na computação”, por assim dizer. Eu tinhatambém uma origem na poesia mais experimental e performática, pois trabalhava com Xerox, que não deixa de ser um scanner, um monitor. Na época, percebi também que poderia trabalhar diretamente na máquina de escrever e, depois, amassando os papéis... Eu estava interessado era no resultado de uma imagem que não estava ligada diretamente ao dispositivo papel.
Mas na computação comecei a perceber que na relação entre o que eu estava executando, fosse palavra ou risco, nada acontecia de maneira direta. Você olhar para o monitor e desenhar com o mouse era alguma coisa culturalmente inusitada. Era muito complicado não ter essa relação direta que é dada pelo lápis ou pincel. No computador, percebi que podia desenhar uma letra, poderia criar um alfabeto, palavras, porque a computação permitiaisso, e o resultado não deixava de ser poesia. Chamei de poesia alegórica. O computadorpassou a existir para mim como uma maneira de produzir uma linguagem, de ver essa linguagem saindo do outro lado, a máquina completando a operação. Para o computador, o algoritmo, teoricamente, não faz distinção entre o que é imagem ou escrita, imagem ou letra.
Então seu trabalho está na própria natureza do computador e sua linguagem.
Claro. Enquanto os outros estão vendo ali palavras ou imagens, eu não estou vendo isso. Algo que mesmo para mim foi necessário um tempo para compreender. Comecei a pesquisar isso. Decidi que queria trabalhar com aquela tecnologia, ver o que podia fazer com aquilo. Mas foi apenas em 1997-1998 que comecei a produzir o que se chamava de poesia digital. Queria uma estrutura de poesia no uso da tecnologia, e também me aproveitar do fato de a programação de uma mídia não estar mais restrita aos conglomerados de broadcasting; o próprio indivíduo poderia criar seu programa.
Isso significa que todos podem reivindicar estar produzindo arte, ao fazer aprópria programação?
Hoje estamos vivendo um momento muito importante em relação a uma questão: se a atividade artística é profissional. Você pode ser um médico e um grande poeta, não é mesmo?No momento em que você tem um sistema “www”, um sistema em rede, estamos a um passo da desinstitucionalização. Acredito que no futuro não haverá mais mostras daquilo ou festivais disto, porque nesses eventos existe uma curadoria ou conselho determinando o que éou não é importante. A arte não é darwinista. Não há uma evolução, mas um aperfeiçoamento. E há uma produção artística que não necessita de galeria ou museu e não pede a presença física. Hoje vejo muitas pessoas reivindicando serem artistas, poetas ou músicos “da era digital”. Mas o maior ganho do momento é exatamente o fato de que não é preciso mais reivindicar ser um artista. Venho de uma geração em que publicar era tão difícil, ter uma exposição era impossível, se expor era muito difícil.
Mas não existe o perigo da celebração da tecnologia, como um fetiche?
Minha relação com a tecnologia passa por minha história, se você me permite. Eu tenho uma deficiência física, eu não ando, nunca andei. Na minha infância era extremamente desagradável ter que pedir aos meus irmãos que trocassem de canal para mim. Você não pode imaginar minha emoção quando começaram a ser comercializados os primeiros controles remotos. Você não sabe o que foi isso na minha vida: poder mudar o canal, ou aumentar ovolume, sem necessidade de me locomover. Isso mudou tudo. Eu devia ter uns 13 anos. Erauma caixa com seis botões, enorme, mas eu não estava mais dependente. Essa é minha relação com a tecnologia. Naquele dia, descobri ser possível estar em outro tempo e em outro espaço, sem sair do lugar! Uma incrível sensação de liberdade. Se há essa liberdade hoje (e por isso os regimes totalitários precisam controlar a internet), e você passar areivindicar ser um artista digital, isso não faz sentido. Eu realizo meu trabalho, mas não vejo necessidade de reivindicar minha posição de artista. Seu endereço no Facebook pode exibir o que você faz, o seu trabalho, e as pessoas passam a entrar em contato comisso. Vejo a arte como algo que faço todo final de tarde, quando tomo um café antes de retornar para casa. Está em tudo o que eu penso, eu tenho que entender o que eu faço. Não estou interessado nesse discurso do pessoal da “arte e tecnologia”, não estou interessado em pirotecnias.
Você continua procurando o controle remoto?
É isso mesmo! Sempre.