Biografia comentada Denise Mota, 06/2008
Há doze anos, um artista plástico e nove estudantes de arquitetura (oito vindos da Universidade de São Paulo e um da Fundação Armando Alvares Penteado) criaram um espaço comum para fazer trabalhos de faculdade e festas, desenvolver projetos artísticos e debater questões pertinentes ao momento que atravessavam. Dessa multiplicidade de identidades em busca dos mesmos objetivos nasceu o BijaRi, coletivo que, desde os primeiros tempos, ostenta como marca distintiva a idéia da unidade na diversidade.
A característica impregna os muitos projetos artísticos e comerciais que o grupo realiza, em web arte, vídeo, performance, instalação, apresentações ao vivo com manipulação de som e imagem, design gráfico, videoclipe, videodança, intervenção e ativismo. Homenagem ao primeiro endereço, nas proximidades do Instituto Butantã, a palavra Bijari tem origem tupi e significa “casca que solta é a pele que se renova”, o que remete a fontes inspiradoras como a antropofagia cultural e o tropicalismo. O “b” e o “r”, em maiúsculas, facilitam a leitura do nome em qualquer tipografia e, segundo Rodrigo Araújo, do coletivo, “reforçam o BR, de brasileiro”.
Juntos, Araújo, Eduardo Loureiro Fernandes, Flávio Araújo, Frederico Ming Azevedo, Geandre Tomazoni, Gustavo Godoy, Luis Maurício Brandão, Olavo Ekman e Sandro Akel empreendem uma permanente discussão sobre onde estão, quais são e por que se constituem limites e fronteiras – físicos ou psicológicos, explícitos ou camuflados na paisagem urbana. Assim como se propõe a romper com esquemas normalmente aceitos – as divisões tácitas entre ricos e pobres, proprietários e proletários, primeiro e terceiro mundos –, o grupo se afasta dos parâmetros tradicionais da produção de arte ao desenvolver projetos empresariais com a mesma linguagem e o máximo criticismo possível.
A audácia de trazer à tona conflitos latentes no tecido social pôde ser constatada, por exemplo, com Antipop galinha, de 2002. Utilizando um elemento tão simples quanto potencialmente ofensivo – como posteriormente se pôde constatar –, o grupo tornou palpável a intocabilidade de mundos separados por apenas um quilômetro: o dos freqüentadores do Shopping Iguatemi e o dos ambulantes do largo da Batata. A empreitada radiografou reações diametralmente opostas diante da aparição da ave: um estranhamento que se vestia de rechaço e medo na região endinheirada, e de bom humor e cobiça entre os populares.
Em 2004, o largo da Batata seria cenário e protagonista de outra intervenção emblemática do grupo: em Estão vendendo nosso espaço aéreo, balões, placas e folhetos informavam comerciantes e pedestres sobre as implicações de um projeto de “revitalização” da área e denunciavam a especulação praticada por “jacarés imobiliários”. A ação, que integra um projeto do SESC São Paulo envolvendo vários coletivos paulistanos, foi construída em torno do conceito arquitetônico de gentrificação – reforma de propriedade urbana que resulta na remoção da população pobre. Registros do trabalho foram exibidos em 2005 em Kassel, na Alemanha.
A mesma luta contra a gentrificação adquiriu novos rostos e estratégias quando o BijaRi se alinhou, entre 2004 e 2006, às famílias que resistiam ao despejo na ocupação do edifício Prestes Maia, centro de São Paulo. Embrenhados na problemática dos moradores, os artistas se juntaram a integrantes de organizações não-governamentais e outros grupos em uma série de manifestações e ações artísticas e políticas. Em uma delas, criou com outros doze coletivos, como Contrafilé e Frente 3 de Fevereiro, o Território São Paulo, sala especial da 9ª Bienal de Havana. Em meio a ordens judiciais, força policial, helicópteros e câmeras de TV, usou milhares de folhetos para grafar no asfalto o número 468, quantidade de famílias que ficariam na rua com a reintegração de posse do Prestes Maia.
O desafio de criar em outras circunstâncias urbanas se impõe para o grupo, que cria ações para a 3ª Bienal do Mercosul, em Porto Alegre (2001), e faz intervenções nas ruas de Havana durante a 8ª Bienal de Havana (2003). O vídeo Ocupação (2006) documenta a transformação de um edifício abandonado no centro de Pelotas (RS) em suporte para palavras de ordem e frases anônimas pinçadas da cena urbana, numa obra que soma à idéia de intervenção um componente instalativo em grande escala. A temática do uso da cidade de forma eqüitativa e em prol de todos – e não dos que contam com mais cifrões – é a tônica do trabalho.
São Paulo serve de matriz à maior parte das ações de intervenção do grupo, de Poesia dos problemas nada concretos (2002) a João bobo (2005) e Cubo (2005), em que uma estrutura pública de 7 m x 7 m x 7 m recebia projeções de imagens manipuladas ao vivo pelo grupo e outros coletivos. Em 2007, durante a passagem do presidente norte-americano George W. Bush por São Paulo, o grupo usou outdoors espalhados pelas principais vias para questionar o acordo Brasil/EUA de produção de etanol. O trabalho se desdobra em Porque Luchamos?, instalação exibida na 1ª Bienal do Fim do Mundo, em Ushuaia, Argentina, no mesmo ano.
Também em 2007, outro mundo se fez possível em Reconstrucidades, instalação interativa e itinerante em que o grupo oferecia ao espectador, com o auxílio de fichas coloridas, a chance de rearmar sua cidade ideal, visual e sonoramente, de acordo com novos valores e necessidades. De 2006, Várzea, parceria com o coreógrafo Ricardo Iazzetta premiada no 16º Videobrasil, leva para a videodança a reflexão sobre os papéis pré-determinados que se destinam a indivíduos e países no concerto mundial contemporâneo. Na obra, São Paulo – musa, laboratório e enigma que os artistas se empenham incansavelmente em decifrar – faz as vezes de um imenso e simples campo de futebol, em que distintos sonhos e “camisetas” se cruzam em um balé de conflitos, superações e táticas de sobrevivência.
As reflexões sobre natureza e cidade são temas presentes do grupo. Seus projetos incluem a intervenção Disk mobilidade, que transforma caçambas em jardins. Os quarenta anos de Maio de 68 – e a própria idéia de manifestação – são o tema de uma nova performance, que envolve trinta participantes.