Entrevista Teté Martinho, 04/2006
Para você, o objetivo de quem realiza um filme com a característica do confronto “é envolver o público no meio do tiroteio”. Desde quando a idéia de confrontar é um norte em seu trabalho? Como você avalia, nesse aspecto, sua evolução de U Olhu Du Povu e R$ 1,50 para O Fim do Homem Cordial?
O público já está no meio do tiroteio, sempre esteve. A intenção é fazer com que ele perceba a existência do tiroteio. O sistema de opressão é sofisticado, anestesia a população de tal forma que já não se pode perceber com clareza os fatos, entender os acontecimentos e apreender o confronto.
No meu trabalho, o confronto começa no momento em que a cidade se revela, quando o jovem artista também se vê no meio da batalha e o processo criativo não consegue estar desassociado da luta detectada. Por isso essa característica política, social e violenta na primeira etapa do meu trabalho, a fase universitária, que já começa a se transmutar.
De U Olhu Du Povu e R$ 1,50, registros de espasmos populares, até O Fim do Homem Cordial, pude traçar uma radiografia social e política do confronto no Estado. O Fim do Homem Cordial nada mais é do que uma previsão, uma antecipação dos fatos, o inevitável, o caos futuro, o fim da cordialidade de um povo que não suporta mais sua miserabilidade.
“Aprendemos na TV o Terrorismo Audiovisual e vamos executá-lo”, diz um dos mandamentos do Manifesto Cinematográfico Anticordial. Como você chegou ao formato de O Fim do Homem Cordial?
Em Salvador existe um império audiovisual formado pela TV Bahia e pela TVE. As duas emissoras estão a serviço do governo do Estado e, em conseqüência, a serviço de Toninho Malvadeza (ACM). A informação audiovisual é manipulada, verbas são desviadas para propagandas políticas que infestam os espaços comerciais. O apadrinhamento, a panela, a cultura dos compadres é o que predomina. A província está dominada.
Da mesma forma como, no sistema globalizado, o terrorismo ataca o império, no nosso contexto, o Terrorismo Audiovisual ataca o império audiovisual. Como eles, sabemos o poder da imagem. E também sabemos fazer malvadeza, malvadezas audiovisuais como aprendemos na TV com nossos amigos do Oriente Médio.
O Fim do Homem Cordial é um seqüestro audiovisual. Roubamos as imagens produzidas por eles, manipulamo-las e damos outro sentido a elas. Antropofagia audiovisual. O seqüestro foi pago com os R$ 8 mil que ganhamos em um festival realizado pelo governo do Estado.
Você esperava que O Fim do Homem Cordial gerasse tanto impacto? Como avalia o resultado do processo deflagrado pela censura ao vídeo na Bahia?
O Fim do Homem Cordial foi um trabalho feito com uma finalidade. Uma bomba preparada para explodir em um determinado lugar. Um ataque bem-sucedido, acima das expectativas. Um ato sem precedentes na Bahia. Rachaduras irreparáveis foram causadas na Secretaria de Cultura, na Fundação Cultural e na DIMAS (Diretoria de Artes Visuais e Multimeios).
Uma nova forma de se relacionar com o audiovisual, sem meias palavras, sem medos de retaliação, insatisfeita e desobediente, foi lançada no universo provinciano, na mesmice, na arte comprada, na cultura turística do Estado.
Não é fácil lidar com esse tipo de arte, que contesta e propõe, que ataca e expõe, por isso a aberração da censura em pleno século 21. O medo de perder o cargo, de desagradar o comandante, gera a anticensura, a burrice de tentar apagar o fogo com gasolina. A forma como a cultura vem sendo tratada na Bahia foi exposta para todo o Brasil.
Até hoje o caso O Fim do Homem Cordial não foi resolvido. O vídeo nunca foi exibido na sala onde ocorreu a censura.
O que você buscou nas personagens retratadas pelo Projeto Figuraça ao escolhê-las? O trabalho foi pensado para a TV? Chegou a ser exibido pelo veículo?
O Figuraça é um catalogo audiovisual dos personagens que compõem o cotidiano da cidade. Toda cidade tem suas figuras, pessoas que se destacam com suas idiossincrasias, e Salvador não é diferente. Tenho fascínio pelas diferentes formas de enfrentar o mundo, a realidade, a cidade, pela variação da moral, pela transvalorização dos valores predominantes. Esses elementos acabam definindo a escolha dos personagens.
O projeto inicialmente foi pensado para a estética televisiva. No entanto, estamos pensando em modificar esse formato. A dificuldade de veiculação é grande e, quando conseguimos exibir, algumas falas dos nossos “figuraças” são cortadas. Isso é inadmissível.
Como foi feito Freqüência Hanói? Que orientação você deu ao narrador?
Freqüência Hanói é um subproduto de um longa-metragem que estamos realizando, eu e meu irmão, Diego Lisboa, sobre um rapper baiano especialista em invadir palcos de bandas grandes para mostrar seu trabalho... “Um ladrão de microfones.”
Com alguns elementos desse longa construímos Freqüência Hanói. Juntamos as ligações telefônicas realizadas pelo rapper da penitenciária para nossa casa, através de um celular clandestino, com as imagens dos fios telefônicos de nossa ida até a penitenciária.
Não houve orientação durante as ligações. Apenas avisávamos ao detento que estávamos gravando.
Através das novas tecnologias, nosso personagem derruba as barreiras físicas, liberta seus pensamentos e nos proporciona uma visão interna do sistema penitenciário.
Freqüência Hanói está dentro do Terrorismo Audiovisual, pois constitui um crime imagético.
Quais são seus projetos e prioridades, no momento? O Movimento Anticordial continua articulado?
1. Continuar realizando meus vídeos caseiros (orçamento zero).
2. Continuar realizando o Figuraça.
3. Continuar colocando projetos em editais para realizar os mais complexos (com orçamento).
4. Continuar fazendo VJ (projeções) no underground.
5. Teorizar e executar o Terrorismo Audiovisual.
6. Lutar pela sobrevivência do MovAC - Movimento Anticordial.