Entrevista 2003
A relação entre arte e política é ao mesmo tempo rica e conflituosa. Como você percebe esta relação no caso específico do seu trabalho?
Deleuze Enquanto Modelo Vivo é uma tentativa de duvidar do pensamento que deseja sua própria repressão, pensamento recalcado que se justifica e se desculpa. É uma possibilidade de tratar o pensamento enquanto potência que deseja e que não é uma ideologia, mas uma prática. Através de apropriações e interferências na imagem do pensador, a linguagem é dissociada de uma apresentação essencialmente informativa. Como o próprio Deleuze especulou: eu me imaginava chegando pelas costas de um autor e lhe fazendo um filho, que seria seu, e, no entanto seria monstruoso.
As tecnologias da imagem e da informação participam de estratégias de controle e vigilância, sutis (ou não) e generalizadas. Diante desta realidade, qual seria , a seu ver, o papel da arte em contextos midiáticos?
Podemos pensar como funcionam as informações, em que medida elas afirmam palavras de ordens, nos dizem aquilo que julgam que somos capazes ou devemos a obrigação de crer; às vezes nem mesmo crer, mas fazer como se acreditássemos, nos comportando como pessoas que acreditam. E a partir disso, como nos relacionamos quando nos comportamos como pessoas que acreditam. Não é mais disciplina, mas controle.
No contexto sócio-político e cultural contemporâneo, as identidades locais se reconfiguram em tensão com os fluxos globais. Inserida neste processo, a arte eletrônica participa como um campo aberto à experimentação e expressão de novas formas de subjetividade. Como essas questões se manifestam em seu trabalho?
Estar aberto às circunstâncias e não às essências; valorizando as possibilidades eventuais, imprevisíveis e circunstanciais das experiências produzidas e captadas. Criar multiplicidades (de temas, formatos e durações) que possam se atravessar, se fundir, se sobrepor, se conectar ou se interromper bruscamente. Mostrar algo simples.
Associação Cultural Videobrasil
Texto crítico Gregorio Baremblitt, 2003
Além das Constrições do Tempo e do Espaço
Um jovem especialista em Vídeo Arte tem empreendido uma série de trabalhos inspirados na obra de Gilles Deleuze e Felix Guattari. Porém, estas cartografias não são apenas versões semióticas singulares de um pensamento extraordinário que marca uma metamorfose na cultura do século XXI. Estas invenções audiovisuais formam parte de um dispositivo de produção e de veiculação genuinamente expressivo do paradigma ético, estético, político que dramatiza conspicuamente o “espírito” revolucionário da Esquizoanálise. Os vídeos são distribuídos por correio, aleatoriamente, numa aposta insólita na potência do acaso. Neste dispositivo anônimo e generoso os agenciamentos coletivos de enunciação e os agenciamentos maquínicos de corpos se transmutam incessantemente uns nos outros efetuando uma máquina de guerra apta para acoplar-se incidentalmente com imprevisíveis máquinas de beleza, de amor, e assim infinitamente. Os vídeos desta série propiciam perceber EM ATO como as categorias filosóficas e as funções científicas acontecem e devêm dramatizadas em variações estéticas simultâneas e como estas, por sua vez, podem dramatizar-se em ações históricas político-sociais inovadoras. As imagens e sons destes vídeos funcionam como multiplicidades que proliferam incessantemente em todas as direções, mudando sem parar de natureza. Seus elementos são simulacros, ou seja, diferenças de uma variação contínua na que toda identidade se dissolve. Caos, caosmos e cosmos se insinuam como fulgores da imanência e o espectador é afetado por uma eclipse e absorção nas vibrações e velocidades das que regressa estranha e intensamente mudado. Produzir e assistir a estes vídeos é um experimento sem princípio e sem fim. Seus efeitos não são previsíveis nem localizáveis. Seus usos performáticos e suas conexões viáveis são inumeráveis. Em nosso caso (de quem escreve essas linhas), o primeiro “emprego” que temos dado a estas belas fitas tem sido pedagógico. Deleuze e Guattari dizem em alguma parte que “uma coisa é elogiar ou falar da multiplicidade, outra coisa é fazê-la mesmo”. Como “docentes” de esquizoanálise, quando tivemos que definir a multiplicidade, esses vídeos nos serviram para, ao projetá-los, apenas acrescentar “multiplicidade é isso”. Como um admirador e praticante da Esquizoanálise, só posso saudar nesta obra um acontecimento que prova a potência da vida, neste caso, da vida jovem. Agradeço à vida ter escolhido a este jovem para ser seu efetuador, e agradeço a este jovem que me tem permitido comentar esta cartografia, uma de tantas que o espera. Gregorio Baremblitt Médico Psiquiatra e Docente Livre Autorizado em Psiquiatra pela Faculdade de Medicina da Universidade Nacional de Buenos Aires. Membro fundador do Instituto Felix Guattari de Belo Horizonte. Livros publicados em português: “Progressos e retrocessos em Psiquiatria e Psicanálise”. Ed. Global Graund SP; “O Inconsciente Institucional”. Ed. Vozes. Petrópolis; “Ato Psicanalítico Ato político”. Ed. Cegrac BH/MG; “Grupos, Teoria e Técnica”. Ed. Graal Ibrapsi, R.J; “Cinco Lições sobre a Transferência”.Ed. Hucitec, SP; “Lacantroças”. Ed. Hucitec, SP; “Introdução a Esquizoanálise”. Ed. Instituto Felix Guattari- BH; “Compêndio de Análise Institucional e Outras Correntes”. Ed. Instituto Felix Guattari- BH.
BAREMBLITT, Gregorio."Além das Constrições do Tempo e do Espaço". Instituto Felix Guattari, Belo Horizonte, Brasil, 2003.