Festival debate transnacionalidade e intercâmbio cultural
No encontro A “transnacionalidade” como horizonte, que fechou o Foco 3 do 18º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, a curadora argentina Gabriela Salgado, a curadora e gestora cultural Ika Sienkiewicz, da Polônia, e o pesquisador e crítico de arte Mario Caro debateram a experiência do intercambio cultural entre artistas de diferentes países por meio das residências artísticas. A mesa teve medição de Sabrina Moura, curadora dos Programas Públicos da atual edição do festival.
Diretora do Center for Contemporary Art (CCA) Ujazdowski Castle, Ika afirma que a antiga oposição Leste e Oeste, que marcou o mundo no período da Guerra Fria, não faz mais sentido para os países da Europa oriental desde o fim do comunismo, em 1989.
Após o fim do regime na região, segundo ela, houve, de imediato, na Polônia um intercâmbio com os países do Ocidente. Ela cita França, Alemanha e os Estados Unidos como exemplos de três países que deram suporte ao desenvolvimento artístico na região.
Criadora do A-I-R, o primeiro programa de residências artísticas da Polônia, instituído em 2002, Ika acredita que esse tipo de iniciativa “é o melhor programa para a troca transnacional”.
Segundo ela, a partir de 2009, a Polônia deixou de olhar apenas para o Ocidente e começou a prestar atenção também no Leste Europeu. “Vimos coisas interessantes acontecendo nos nossos vizinhos do Leste, como a Ucrânia, e resolvemos nos abrir à Europa Oriental”, conta. Agora, a iniciativa já alcança o Oriente Médio, em países como o Paquistão.
Argentina radicada em Londres, Gabriela Salgado contou de suas experiências com artísticas e intelectuais africanos. “As pessoas vão à África e dizem que ficam espantadas, descobrem um novo mundo. Comigo não foi o que aconteceu”, conta. “As conversas com os artistas e intelectuais africanos eram as mesmas que com artistas e intelectuais de outros países.”
Sobre a relação do Brasil com a África no campo das artes, Gabriela destaca a evidente influencia da cultura africana na dança, música e até no cinema brasileiro. “Nas artes visuais não é assim”, afirma. “O que nos chega da imagem do Brasil é a do país ‘branco’.”
Para Gabriela, o Brasil deveria olhar para a África contemporânea, de modo a absorver seu atual momento artístico em suas artes, compondo a diversidade racial que caracteriza o país. “O Brasil não quer olhar para a África contemporânea. Fica tudo relegado à história colonial”, afirma ela, que critica também a “europeização” dos estudos das artes. “A gente estuda arte europeia aqui, na África, em todo lugar. Mas a história da arte europeia não é toda a história da arte. A gente tem que ‘complicar’ essa história”, afirma.
Mario Caro, que preside a rede internacional de residências Res Artis, contou de sua experiência na promoção das redes artísticas entre povos indígenas, afirmando que nestas populações a ideia de hospitalidade é bastante forte, voltado para a troca de hospedagens e no envolvimento com as pessoas de determinado lugar e com o lugar em si.
Ele cita como exemplos de transnacionalidade, que, para ele, não é apenas uma questão de localidade, mas um processo mais profundo de internacionalização, a questão das nações indígenas nos Estados Unidos. Estas residências surgiram a partir de um primeiro encontro, realizado na Nova Zelândia em 1995, do qual participaram artistas da região do Pacífico. “Existem 566 tribos reconhecidas nos EUA como nações independentes. A sua soberania é sempre contestada pelo poder central. Então, elas se unem”, conta. “Desse modo”, afirma, “pode-se dizer que eles sempre foram transnacionais.”
Lançamento
No domingo, foi lançado também o livro Em Residência – Rotas para pesquisa artística em 30 anos de Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, que fala da experiência das residências ao longo da história do festival.
À noite, haverá a premiação da mostra competitiva Panoramas do Sul, que oferecerá nove residências aos 94 artistas que participam da exposição.