Ensaio Marcus Bastos, 10/2005

Não há uma pedra no meio do caminho. 
Um inseto anda (patas e antenas) próximo ao meio-fio de uma calçada qualquer. 
No meio do caminho não há uma pedra, 
e o inseto não conclui sua trajetória. Apenas anda 
(mesclado(1) a imagens de Belo Horizonte) 
próximo ao meio-fio. 
Ele prossegue, e desmancha-se sob as imagens da capital mineira que 
(cada vez mais opacas) preenchem a tela. 
— Nem mesmo um inseto desse porte é capaz de se desvencilhar da cidade que o paralisa, morosa concretude?

Os prédios esmaecem e revelam que não há uma pedra no meio do caminho e que um inseto anda (patas e antenas), próximo ao meio-fio de uma calçada qualquer. 
No meio do caminho não há uma pedra, e o inseto não conclui sua trajetória. 
Ele anda (fios de eletricidade e postes ao fundo). 
Mais uma vez prossegue e desmancha-se, desta vez sob fios de eletricidade e postes que (cada vez mais opacos) preenchem a tela.

— Como circular em liberdade pela rede urbana que insiste (gráfica paisagem diante do eloqüente protagonista) em levá-lo de volta ao ponto inicial?

Fios e postes esmaecem e revelam que não há uma pedra no meio do caminho. 
Um inseto caminha. Patas não carros (deslocamentos), antenas não TV (transmissão).

O projeto mineiro feitoamãos busca pesquisar, produzir e refletir sobre a linguagem e as possibilidades da arte eletrônica, por meio de trabalhos para exibição através de videocassete, DVD ou computador. Além disso, realiza apresentações sob o nome *//FAQ, iniciativa dedicada à manipulação e execução de imagens e sons ao vivo. 

O plano fechado sobre o inseto que anda em loop, como se caminhasse sobre um tapete que é puxado antes dele atingir seu objetivo, funciona como motivo condutor de BHZ  — apresentação realizada na Casa do Conde (Belo Horizonte) durante o Laboratório Eletronika 2004 — e da primeira parte de Trânsito — apresentação realizada no Centro Cultural Telemar (RJ) durante o prog:ME (http://www.progme.org/), primeiro festival internacional de novas mídias do Rio de Janeiro.

As apresentações realizadas pelo *//FAQ transitam pelo universo da música pop alternativa. A mescla de guitarras com elementos eletrônicos e toques sutis de percussão fricciona novo e velho. Aliás, essa dualidade — mais uma vez o barroco — aparece no próprio nome do grupo, mistura de atividades artesanais (‘feitoamãos’) e práticas da cultura digital (‘FAQ’ é a forma abreviada de ‘Frequently Asked Questions’, página de dúvida comum em sites de internet de maior porte).(2)

O vínculo com uma forma de expressão em que o palco italiano é a solução típica resulta em trabalhos que raramente problematizam o espaço de maneira mais complexa, ainda que nos vídeos propriamente ditos a espacialização seja justamente a forma mais explorada, o que está em sintonia com o exercício de romper com a unidade da tela (e do plano cinematográfico). 

Dentre os projetos do grupo, É (in)possível estar em 2 lugares ao mesmo tempo é o único que adota a mesma estratégia também na forma de ocupar o espaço em que acontece, na medida em que explora a tensão entre a presença física e a presença mediada dos músicos e videoartistas, pelo uso de sensores de presença e luz. 

Em Trânsito, a opção por duas telas simultâneas, uma no fundo e outra na frente do palco, causam uma pequena defasagem entre ambas, montagem no espaço que dilata a temporalidade inevitável da projeção sobre uma única superfície.(3) O fato de a primeira tela ser construída com um tecido escuro e granulado causa um efeito de difusão que torna os músicos e videoartistas no palco uma espécie de chroma humano incrustado nas seqüências de vídeo. No entanto, isso é suficiente apenas para sofisticar a situação, sem dissolver o espaço de forma tão eloqüente quanto no caso de É (in)possível.

O circuito por onde o *//FAQ transita aglutina formas de expressão diversas — e nem sempre evidentes, como é o caso da performance e da instalação interativa. Trabalhos na linha de É (in)possível estar em 2 lugares ao mesmo tempo são os que melhor articulam as diversas possibilidades que as experiências recentes de manipulação e execução de imagem e vídeo em tempo real sugerem, na medida em que lidam com a articulação de todos esses domínios. Isso é raro. Boa parte dos trabalhos de imagem e som ao vivo restringe-se ao formato do espetáculo contemplativo, seja no improviso dos VJ’s em casas noturnas, seja nas apresentações mais elaboradas em museus e galerias.

*//FAQ faz uso intenso de vídeo, certamente pelo fato de que os primeiros projetos realizados pelo feitoamãos foram trabalhos single channel, como é o caso do premiado 5 — uma exploração fragmentária dos cinco sentidos cujo resultado final é irregular —, ou streaming, como é o caso de 7 maravilhas.Este último reúne loops como Dona Inês Maravilhae Canivete Suíço, criados a partir de imagens bastante gráficas — a mesma solução retorna nas apresentações ao vivo — e vídeos curtos não-narrativos, como Fio Maravilha, Cidade Maravilhas e Stevie Wonders.

As imagens fixas, quando animadas ou flicadas, resultam em um tipo de incrustação bastante comum na videografia contemporânea. Ela prescinde do uso do chroma key, na medida em que pode ser feita através da inserção de imagens com recortes transparentes, em programas como o After Effects. Além disso, aproximam-se da lógica do primeiro cinema, na medida em que usam imagens estáticas como ponto de partida para criar divertimentos visuais de diversos tipos. É o improviso a partir desses pequenos fragmentos que constrói os percursos (sempre temáticos) mais longos. 

Como parte desse material é capturado na internet, há antes a referência a um imaginário específico (situacionismo, mídia tática, fêmeas fatais, grafite, deslocamento), que uma preocupação com uma plástica audiovisual consolidada. Curiosamente, o vídeo, por muito tempo entendido como imagem de baixa resolução por ser comparada com a imagem do cinema, hoje tem mais qualidade visual que as imagens produzidas por computadores e celulares, cada vez mais comuns na cultura visual contemporânea. 
Hoje a imagem-vídeo não é mais vista como rarefeita, pois ganha em densidade (até mesmo invade as telas de cinema) numa cultura visual de poucos megabytes.

No caso do feitoamãos, o uso do grafismo e de imagens que revelam a trama de pixels digitais contrasta com a granularidade saturada de seqüências em vídeo, de que o início de Matéria dos sonhos é um bom exemplo. Mãos sobrepostas, uma gráfica e estática, outra, videográfica e ansiosa, nos movimentos acelerados. O preto discreto sobre o vermelho abundante aproxima dois tipos de textura visual obtidas pelo conflito de imagens de espessuras distintas. Ainda o barroco? 

atalho #1: dois Macs e um switcher produzem camadas de imagens organizadas a partir de partituras distribuídas. 
As apresentações do *//FAQ são flicagens visuais de um banco de dados a serviço de uma espécie de jazz sinestésico. A proximidade do cinema com jeito de banco de dados é programática: uma das primeiras apresentações ao vivo do *//FAQ é Dziga Vertov reenquadrado. Segundo Lev Manovich, O homem com a câmera na mão, do cineasta russo, antecipa a possibilidade de um cinema banco de dados, montado pelo eixo do paradigma, desafiando o fluxo narrativo temporal dos romances filmados que “hollywood” insiste em imprimir sobre películas para rodar o mundo. 

retorno: 
A beleza repetida daqueles gestos prosaicos de inseto é incapaz de mascarar a ausência de finalidade clara para o trajeto percorrido, que leva do nada ao lugar nenhum. Duas doses de Kafka e uma de energético. Em Trânsito, a seqüência assume outro sentido, inserida num contexto em que se recuperam as intensidades deleuzeanas, o que desloca o sentido desse movimento que nunca estanca. Na ordem das intensidades, no entre imagens que, com suas qualidades físicas, relacionam-se, em busca dos “estados de coisas” a elas correspondentes.

Como no mito de Sísifo, em que o herói é condenado à tarefa absurda de empurrar uma pedra para o topo de um morro, apenas para vê-la cair, o que o obriga a empurrá-la para cima novamente, e assim indefinidamente. O castigo cíclico ao herói suicida é o primeiro loop de uma história do pensamento que ganha novo sentido conforme as tecnologias digitais modificam as formas de expressão contemporâneas.

atalho #2: o uso de texto é abundante no trabalho do feitoamãos/F.A.Q. O texto dificilmente é para ser lido; são as imagens que narram, enquanto o texto ilustra. Por isso, o trabalho do *//FAQ pode ser percebido como um tipo de escrita que formula pensamentos por meio de estratégias de montagem bastante complexas de texto, imagem e som.

O eterno retorno: Não há uma pedra no meio do caminho. 
Um inseto anda...


(1) Em Por uma estética da imagem vídeo, Philippe Dubois discute alguns parâmetros estéticos que “emergem com intensidade nas práticas do vídeo”, observando que “a primeira figura que surge com força é a mescla de imagens”. Para Dubois, três “grandes procedimentos reinam nesse terreno: a sobreimpressão (de múltiplas camadas), os jogos de janelas (sob inúmeras configurações) e, sobretudo, a incrustação (ou chroma key)”, cf. Dubois, Philippe. Godard. Cinema. Vídeo. São Paulo: CosacNaif, 2004. pp. 77-8. Dentre as formas propostas pelo crítico francês, a primeira e a terceira são mais comuns nos trabalhos do feitoamãos/F.A.Q., de tom barroco na abundância de camadas sobre camadas, especialmente nas apresentações ao vivo em que há dois MACs bombardeando com imagens o switcher que controla a forma como elas são projetadas. 

(2) O conceito de artesanato digital é bastante utilizado por Richard Brabook, conforme explicado em NeMe: FAQ Digital Work (http://neme.org/main/103/faq-digital-work) e The Digital Artisans Manifesto (http://www.hrc.wmin.ac.uk/theory-digitalartisansmanifesto1.html).

(3) Para Lev Manovich, “a cultura visual e a arte moderna oferecem várias idéias sobre como a narrativa espacial pode se desenvolver em um computador”, com o uso de janelas simultâneas, criando eventos sincronizados ou explorando os efeitos da sobreposição. Para Manovich, a montagem espacial é uma das formas que permitem distinguir a linguagem digital de seus antecessores analógicos. No âmbito das apresentações de imagem e som ao vivo, essa espacialização acontece quando se dissolve o formato de palco e platéia. Cf. Manovich, Lev. The Language of New Media. Cambridge (MA): MIT Press, 2000. p. 321. Há uma discussão mais longa sobre o tema da montagem espacial em 6 propostas para os próximos minutos (http://netart.incubadora.fapesp.br/). Em VJ em cena: o espaço como partitura audiovisual, Patrícia Moran trata de questões semelhantes, ao desenvolver tópicos teóricos e analisar exemplos de manipulação de imagem e som em tempo real. 

Entrevista Eduardo de Jesus, 10/2005

1. De onde partiu a motivação para a criação do projeto feitoamãos? E como posteriormente esse projeto se desdobrou no F.A.Q.? 

Claudio Santos: Em 1998, tivemos uma experiência de trabalho em grupo num projeto do estilista Jotta Syballena e Voltz Design. A Voltz convidou sete artistas para que cada um fizesse uma leitura contemporânea de um pecado capital. Foi muito bom, tanto o processo como o resultado. Participaram Claudio Santos, Rodrigo Minelli e André Amparo, além de outros três. Passado um tempo, Minelli propõe um novo trabalho em grupo, que se chama 5 (5 sentidos) e convida, além de mim e André, Chico de Paula e Marcelo Braga. Convida também Marília Rocha, que realiza o sexto sentido. O processo desse trabalho foi caracterizado por interferências de um na criação do outro. A partir disso, fomos convidados por Mônica Cerqueira para realizar a abertura do espaço virtual do Palácio das Artes de MG. Nesse momento, criamos um site, um novo projeto de web arte (7 maravilhas), convidando novos artistas. Nós o batizamos de 'projeto feitoamãos', que tinha por objetivo pesquisar, produzir e refletir sobre a linguagem e as possibilidades da arte eletrônica, tendo como principal eixo o processo de realização coletiva, que orienta os trabalhos do grupo. Além disso, incentivamos e formamos novos realizadores através de parcerias, co-produções, apoios, etc. Conquistamos alguns prêmios nacionais e internacionais.

Em 2001, fomos convidados pra fazer a abertura no Festival de Curtas-Metragens de Belo Horizonte. Propusemos uma performance (Dizga Vertov reenquadrado) e convidamos os músicos Ronaldo Gino, André Melo, Barral e o DJ Roger Moore. Fizemos tudo ao vivo e, a partir daí, incorporamos Ronaldo Gino e André Melo como membros do grupo. Convidamos o Lucas Bambozzi para a apresentação no Red Bull Live Images (2002), que, desde então, também passou a fazer parte efetivamente do projeto. O músico Vítor Garcia entrou a partir da performance É (in)possível estar em 2 lugares ao mesmo tempo (2003).

Essas adesões resultaram naturalmente na criação de um núcleo multimídia fixo com uma vertente voltada para apresentações ao vivo que estaria mais associada ao nome F.A.Q. Esse núcleo é hoje formado por André Amparo, André Melo, Claudio Santos, Lucas Bambozzi, Marcelo Braga, Rodrigo Minelli, Ronaldo Gino e Vítor Garcia. Com artistas de formação nitidamente diferenciada (música, vídeo, design, etc.), a proposta central passa a ser o desenvolvimento de uma linguagem em torno da idéia de live audio-images. O F.A.Q. então começa a se apresentar em diferentes espaços e eventos (inclusive como grupo de VJ's), mas sempre acrescenta algum diferencial em sua base conceitual, o que muitas vezes acontece através do convite a novos artistas para integrar suas performances. 

Lucas Bambozzi: Acho importante ressaltar que muitos de nós acompanharam ativamente as mudanças tecnológicas dos processos ligados ao vídeo nos últimos 15 anos ou mais, e isso é naturalmente incorporado como linguagens que conectam procedimentos técnicos e operacionais. Trabalhamos com sistemas tipicamente analógicos do tipo A/B roll, em VHS, passando pelo U-matic, Beta e, finalmente, os sistemas digitais (Video Toaster, Video Machine, Première, Edit DV e Final Cut). Entre nós, alguns fizeram, ainda no início dos anos 80, transmissões simultâneas de shows (às vezes para televisão, como os musicais ao vivo que fiz com os grupos Ira!, Fellinni, Defala, Ultimo Número, Gueto e Sexo Explícito em 89), eventos corporativos, desfiles de moda, etc., atividades que hoje também fazem parte do repertório de muitos VJ's. Essas experiências nos conectam diretamente com o universo do improviso e do tempo real, típicos de sistemas digitais recentes. 

2.Como é o processo de criação do grupo? Como são desenvolvidos os trabalhos?

CS: Cada trabalho possui suas peculiaridades, mas para todos eles estabelecemos reuniões periódicas onde nos encontramos para discutir conceitos, música, imagens, etc. Além disso, nos falamos por e-mail diariamente, pois nem todos os integrantes residem em BH, e realizamos conferências por Skype. Os artistas convidados participam do processo embrionário das propostas. 

LB: Podemos dizer que o grupo é um ambiente de pesquisa e de compartilhamento de experiências em torno de tecnologias, procedimentos e linguagens. O fato de envolver tanto músicos como pessoas mais ligadas à imagem proporciona uma troca que geralmente não acontece no circuito dos VJ's - onde nem sempre há um diálogo com o DJ. O processo de trabalho varia. Às vezes um integrante do grupo assume temporariamente a frente na produção e conceituação, mas tudo é discutido com todos. 
Outra característica de nosso trabalho é que o conteúdo das apresentações é sempre resultado de um compartilhamento de inquietações, muitas vezes díspares ou não-consensuais. Isso talvez seja o maior diferencial entre o processo individual e o trabalho em grupo, pois é a partir de debates sobre determinadas questões (notadamente políticas) que os “roteiros” vão sendo delineados. 

3. No Monstruário ilustrado (2002) apresentado no Interatividades do Itaú Cultural, em São Paulo, vocês trabalharam num espaço quase cênico. Já em Veja as instruções primeiro (2002), apresentado no Red Bull Live Images, e também em É (in)possível estar em 2 lugares ao mesmo tempo (2003), vocês trabalharam com espaços imersivos em que o público pode transitar, dançar e até interagir com as imagens. Como o espaço físico condiciona ou determina a criação? O grupo tem preferência por um tipo de espaço específico?

CS: A partir de uma proposta narrativa, definida em conjunto, adequamos a apresentação ao espaço em que vamos nos apresentar. A montagem dos suportes de projeção de imagem e disposição dos músicos e VJ's são determinados quando recebemos a planta do local. Nesse momento também podemos acrescentar elementos e explorar o que o local pode oferecer em termos de imersão e movimentação por parte do público. Particularmente prefiro apresentações em palco, mas a possibilidade de adequação aos espaços torna a coisa bem interessante. 

LB: Estamos cada vez mais interessados em situações em que outros sentidos, além da visão, possam ser mobilizados. Em algumas situações, pode-se conseguir uma maior participação/imersão coletiva através de várias telas, camadas e transparências. Para o É (in)possível estar em 2 lugares ao mesmo tempo, utilizamos recursos interativos. O público podia acionar/manipular determinadas imagens através da movimentação de uma lâmpada que, ao oscilar, criava movimentos análogos na imagem. A experimentação com diversas interfaces entre o público e os arquivos digitais que criamos e/ou disponibilizamos é um caminho que estamos percorrendo. Estamos sempre pesquisando o potencial de cada uma dessas possibilidades técnicas que nos são acessíveis. 

Com relação ao espaço físico, fizemos parte recentemente de uma experiência interessante, que foi o projeto Cubo, pois três dos integrantes do feitoamãos/F.A.Q. também fazem parte do grupo Cobaia (Cláudio, Rodrigo e eu). No Cubo, o espaço físico (o centro da cidade de São Paulo) determinava uma especificidade muito particular, envolvendo muitas discussões. O conteúdo, a manipulação de imagens, as projeções e a forma de se relacionar com o público tiveram que ser re-trabalhados de forma totalmente distinta daquela à qual estávamos acostumados. 

4. Na exposição Imagem não imagem, vocês criaram um objeto midiático. Como foi a experiência de participar de uma exposição com um objeto e como foi o processo de criação dessa obra? É possível apontar aproximações entre o trabalho mais performático e esse objeto?

CS: A criação do Bicho Brasileiro partiu da vontade de romper um pouco com esse processo de live images. Tentamos criar o resultado de um processo coletivo numa experiência sensorial individual. 

5. Vocês desenvolvem workshops com freqüência. Como tem sido a experiência dos workshops? Podemos considerar como uma continuação dos vídeos desenvolvidos coletivamente com jovens realizadores como Os 4 pontos cardeais (2001) e Matéria dos sonhos (2001)?

CS: Essa coisa do workshop era forte e estava na pauta do grupo enquanto éramos apenas feitoamãos. Hoje assinamos trabalhos como feitoamãos/F.A.Q., pois o F.A.Q. tem as características de uma “banda”, de um núcleo multimídia fixo, onde a essência do feitoamãos aparece quando convidamos e agregamos novos artistas (seja na música, na edição, na concepção ou apenas na manipulação). Coisa que na maioria das vezes acontece. 

Resumindo, acho que a experiência da criação coletiva (como os exemplos que você citou) permanece, mesmo com o F.A.Q. sendo esse núcleo fixo. Porém, os workshops tiveram características diferentes quando existiram e atualmente as apresentações não têm permitido muito a aplicação de workshops. 

LB: Vale lembrar aqui o Fórum de Mídia Expandida, que vem acontecendo há três anos no âmbito do Festival Eletronika, em BH. Esse ano o Festival vai ser dedicado especialmente às atividades do Fórum. Trata-se de mais um desdobramento do feitoamãos/F.A.Q. (é coordenado pelo Rodrigo Minelli e por mim). O formato é o de um micro-simpósio, onde buscamos uma aproximação com questões debatidas no campo da música que se relacionam diretamente com as mídias digitais no terreno do audiovisual, do design e da arte contemporânea. Através do Fórum, produzimos também eventos correlatos, que não se pautam por modismos, mas pela criação em estado latente e em sintonia com inquietações atuais, independentemente do espaço que ocupam hoje no cenário artístico-musical. Esses eventos se complementam, abarcando experiências como performances, audiovisuais experimentais, instalações e outros acontecimentos emergentes nos circuitos das artes digitais, que oscilam ou produzem pensamentos em trânsito entre as mídias.

6. Vocês se apresentaram no Videoformes (2005), festival de vídeo e novas mídias de Clermont Ferrand, na França. Como foi a experiência?

CS: Foi bastante interessante se apresentar fora do país, num evento de tradição como é o Videoformes (foi a 20ª edição do festival). Vimos trabalhos de vários países, com características bastante diferentes do que foi nossa apresentação. Valeu também para ver como a coisa da arte eletrônica tem caminhado, saindo apenas dos suportes de exibição e instalação, explorando com mais intensidade as experiências das narrativas executadas ao vivo.

LB: A apresentação no Videoformes serviu também para nos darmos conta de como pode haver ainda experiências interessantes numa situação típica de palco. Ali pensamos o quanto poderíamos incorporar elementos cênicos ou de iluminação, como forma de criar camadas visuais e ambiências. Trabalhamos muito com telas pretas, que permitem a passagem de luz e viabilizam uma alternância visual entre o que está na frente e o que está no fundo da situação de palco, sugerindo algo como uma maior troca entre o dentro e o fora, privilegiando a participação/implicação do público na apresentação. Essas considerações e recursos serão aplicados em nossa apresentação, Carro-Bomba, durante o Videobrasil.

Biografia comentada Eduardo de Jesus, 10/2005

O feitoamãos/F.A.Q. é, antes de tudo, um projeto em construção. Sintonizado com as poéticas contemporâneas, o projeto se altera, incorpora e se dinamiza em torno da produção artística. Composto por experientes e inquietos realizadores, o feitoamãos/F.A.Q. é sempre puro movimento. A princípio, uma possibilidade de apoiar e realizar trabalhos coletivamente. Foi assim com o primeiro single channel 5 (2000), que acabou por gerar o projeto 'feitoamãos', grafado assim, em minúsculas e sem os espaços tradicionais. Este primeiro trabalho foi exibido no 13º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil (2001), além de ter recebido o Grande Prêmio Cinema Brasil-Ano II, do Ministério da Cultura, na categoria Melhor Vídeo, em fevereiro de 2001, e de ter participado de festivais e mostras no exterior. O vídeo investiga os sentidos e suas percepções, e reuniu os realizadores Francisco de Paula, André Amparo, Rodrigo Minelli, Claudio Santos, Marcelo Braga e Marília Rocha.

Os cinco primeiros realizadores formaram o núcleo mais central do projeto que, logo em seguida, partiu para outras realizações, voltadas, neste primeiro momento, ao apoio a jovens realizadores em seus projetos. Assim foi desenvolvido Os 4 pontos cardeais (2001), reunindo Mariana Pinheiro, Bruno, Marcos Catito Menezes e Osmar que trabalharam cada um dos pontos cardeais. O trabalho, lançado em Belo Horizonte em 2001, reuniu o grupo de jovens realizadores e os integrantes do projeto feitoamãos em torno de um debate que teve a participação especial do Professor Doutor em Comunicação e Semiótica, Júlio Pinto.

O projeto seguinte teve também as mesmas conexões com os números e as quantidades e, desta vez, se voltou para a história. Tratava-se de 7 maravilhas (2000), um projeto para a internet que reunia vídeos dos realizadores do núcleo mais central do projeto. Já o projeto seguinte foi ainda mais ousado, sobretudo em relação ao modo de selecionar os participantes, que seriam apoiados na realização do projeto. Com o objetivo de despertar a atenção da mídia e, ao mesmo tempo, homenagear Emílio Belleti - figura central no fomento e desenvolvimento da produção audiovisual em Belo Horizonte, assassinado por um jovem de classe média alta da cidade - o grupo se reuniu e criou o 'Prêmio Emílio Belleti', com a finalidade de apoiar jovens realizadores na construção de um projeto coletivo de vídeo. A iniciativa chamou atenção e ampliou o debate sobre a morte de Belleti, além de gerar um vídeo construído coletivamente. Em Matéria dos sonhos (2001), jovens realizadores enviaram projetos e foram selecionados para desenvolver o vídeo que associou os quatro elementos da natureza com sentimentos da vida cotidiana.

Logo após esse último trabalho, o grupo inicia novas atividades voltadas para o live image, reunindo imagens e sons manipulados ao vivo nos mais diversos ambientes. A primeira apresentação foi na abertura do Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte, com Dziga Vertov reenquadrado (2001), tomando imagens do filme O homem e sua câmera. Em seguida o grupo passou a desenvolver uma série de performances em espaços alternativos, festivais de música eletrônica, mostras e festivais de vídeo no Brasil e no exterior. 

Em 2002, o grupo realiza Adamantos como resultado de um workshop no Festival de Inverno da Universidade Federal de Minas Gerais, em Diamantina. No mesmo ano, realizam a performance Veja as instruções primeiro (2002) no Red Bull Live Images, em São Paulo. Em seguida, mostram no Itaú Cultural Monstruário ilustrado, reunindo trabalhos e colaborações de outros artistas em uma atualização dos bestiários medievais com recursos cênicos, projeções de imagens, samplers e música ao vivo.

Já no 3º Eletronika - Festival de Novas Tendências Musicais (2003), em Belo Horizonte, o grupo realiza uma apresentação com temas que tratam de revolução e anarquia.

A diversidade da trajetória do feitoamãos/F.A.Q. é bastante interessante e, nessa perspectiva, o objeto Bicho Brasileiro (2003), apresentado na exposição Imagem não imagem, com curadoria de Christine Mello, na galeria Vermelho (São Paulo), comprova a experimentação e o risco como características do grupo. Segundo Francesca Azzi, em artigo publicado no catálogo da mostra Made in Brazil (Itaú Cultural, 2003), o grupo “parte de uma experimentação técnico-conceitual para estabelecer parâmetros lógicos e 'lingüísticos' para seu happening. A edição ao vivo e a montagem espacial jogam com a temporalidade, o improviso e o conteúdo.” 

O objeto rompe os padrões já conhecidos do grupo por um lado, mas também revela o processo de criação que privilegia o hibridismo, a experimentação e a inquietude. No mesmo ano, o grupo apresenta É (in)possível estar em 2 lugares ao mesmo tempo (2003), no evento Ruído Digital, promovido pelo Itaú Cultural, em Belo Horizonte. O trabalho do feitoamãos/F.A.Q. buscou refletir os conceitos de espaço e paisagem do geógrafo Milton Santos. Para tal, desenvolveram um espaço com seis projeções e dois sistemas interativos que revelavam a paisagem urbana e seus tempos em imagens manipuladas ao vivo pelo grupo e as interferências provocadas pela interação do público.

Trânsito (2005) é o trabalho mais recente do grupo e já foi apresentado no Videoformes em Clermont Ferrand, na França, e também no prog:ME, primeiro festival internacional de novas mídias do Rio de Janeiro.

Referências bibliográficas Eduardo de Jesus, 10/2005

A obra do feitoamãos/F.A.Q. tem sido abordada em artigos e websites. Selecionamos aqui alguns links que se relacionam de alguma forma com o trabalho do grupo.

No evento Interatividades, promovido pelo Itaú Cultural, o feitoamãos/F.A.Q. apresentou o espetáculo Monstruário ilustrado (2002). No website é possível conhecer um pouco sobre os outros artistas participantes, além de detalhes da apresentação do feitoamãos/F.A.Q.

http://www.itaucultural.org.br/interatividades/