Entrevista Paula Alzugaray, 06/2007
Por que você escolheu o formato do documentário para pensar as relações entre arte e público que estão no centro de suas reflexões artísticas recentes?
O documentário é um formato que pode ser discutido dentro do campo das artes, já que diversos processos artísticos são efêmeros e, desse modo, fortes candidatos à documentação. Um problema que percebo é que nem todo mundo que necessita de algum registro documental tem consciência de estar também reconstruindo conceitualmente seu trabalho e não apenas mudando de suporte. A forma documental, para mim, é mais uma estratégia apreendida do que realmente um documento. Se olharmos a história do cinema documental vamos perceber que as estratégias mudam radicalmente. O que era dito como documentário, décadas atrás, hoje percebemos como uma linguagem carregada de exageros. Ainda podem-se encontrar ficções que são baseadas numa linguagem documental e se utilizam dela para uma maior eficácia em relação ao público. O filme A Bruxa de Blair foi eficaz graças a esse procedimento. As fronteiras são diluídas ou nunca existiram, de fato. O que sempre mudou foi nossa percepção em relação a esse formato.
Qual a sua relação com o documentário cinematográfico? Quais documentaristas chamaram tua atenção e contribuíram em teu processo?
Acho que a maior influência no campo do cinema (documentário ou não) foi o trabalho do cineasta iraniano Mohsen Makhmalbaf e do americano Michael Moore. No geral, o Michael Moore não é totalmente compreendido. Sempre ouço comentários em relação ao conteúdo político e o quanto ele manipula as informações. Mas é nesta manipulação que está a entrada para um território mais complexo conceitualmente, que é justamente o campo das artes. A discussão feita em torno do formato documentário não é nada recente, já nasce com o cinema. Os irmãos Lumière, por exemplo, pediam para os passantes não olharem para a câmera, ou seja, havia atuação. E toda a história do documentário é recheada com exemplos semelhantes: Flaherty, Grierson, Rouch... Já os filmes de Makhmalbaf são extremante documentais, apesar de não serem classificados como documentários. Filmes como Salve o cinema e Um instante de inocência atestam como é contundente esse pensamento em torno da experiência da realidade versus a representação da realidade. E assim, boa parte do cinema iraniano. Jafar Panahi foi outra forte influência, assim como os movimentos realistas da primeira metade do século 20.
Como você interpreta as recentes aproximações entre arte e documentário? Os trabalhos que se dedicam a produzir registros do mundo estabelecem um canal mais direto de comunicação com o público?
Não tenho certeza se é mais direto ou não, mas tenho percebido que esse procedimento funciona. O documentário já nasce com cinema e nas primeiras utilizações do vídeo no campo artístico também se encontra uma estratégia documental no registro das performances. Criar “documentos” sempre foi uma preocupação das artes. Se não documento do mundo real, documento de um modo de pensar.
Boa parte da produção artística hoje se dedica a procurar promover canais de diálogo com o público. Sua trajetória, no entanto, tem se dedicado a evidenciar o constrangimento do público dentro do museu. O que lhe parecem essas estratégias de aproximação da arte contemporânea?
Todas são estratégias de aproximação. Promover canais de diálogo e evidenciar os problemas de relação entre arte e público fazem parte do mesmo desejo de comunicação.
Você vê relações de proximidade entre as iniciativas de arte como intervenção social e as iniciativas de arte documental?
Penso ser uma mesma maneira de pensamento, apesar dessa ligação não ser óbvia. A arte parece querer incorporar a vida, apesar de fazer parte dela. A “realidade” tornou-se uma estratégia de aproximação, não basta mais representá-la. A “realidade” agora não é mais nem matéria-prima. É a própria obra.
O que você pretende com as provocações de seus documentários e ações: contribuir para acabar com a intimidação do público dentro desse mundo tão especial do “cubo branco” ou colocar o dedo na ferida e atiçar esses conflitos?
A passividade do público e sua não-reação no embate com obras de arte me frustram. Tento não deixar escolha para a passividade do espectador, se é que isso é possível. Nos meus trabalhos, de algum modo, tento um contato mais próximo com o público. Despertar um processo de reflexão é o mínimo que um artista pode querer.
As intervenções em vitrines e fachadas de museus fazem parte dessa sua série de trabalhos sobre a relação entre arte e público. Mas aqui você parece ter optado pelo não-registro videográfico. Por que não documentar as reações geradas pelo trabalho?
Os registros estavam previstos dentro dos trabalhos das vitrines, mas não foram realizados por questões técnicas. Todos os outros trabalhos, como as intervenções em museus e galerias, se desdobraram em outros trabalhos videográficos, mesmo que em projeto e não totalmente finalizados. O registro em vídeo acaba sendo um trabalho autônomo que não pode ser mais chamado de registro. Tem uma derivação da intervenção, mas discute e propõe questões outras, relativas ao seu universo lingüístico.
Desde que os artistas transformaram obras em ações, a documentação tornou-se parte fundamental do processo do trabalho artístico. Qual a importância dos procedimentos de documentação em suas ações?
Quando penso em um trabalho os seus desdobramentos e derivações já são partes dele. A documentação em texto, fotografia e vídeo se faz necessária, pois é dessa maneira que o trabalho sai de um circuito mais fechado e pode se expandir e reverberar em outros pontos. O que seria do Spiral Jetty do Smithson sem os registros em texto, foto e vídeo?
A performance também tem um papel importante em suas estratégias. Em Entre há a performance teatral. Em Não entendo, você parece se utilizar das linguagens da reportagem para um ato performático. Como se articulam esses elementos – teatralidade e performance – em seus trabalhos?
A teatralidade da instalação Entre não foi intencional. Pelo contrário: foi algo que tentei evitar, mas não consegui, na direção dos atores. Mais tarde acabei incorporando essa informação ao trabalho. Não totalmente satisfeito, busquei, no lugar dos atores, artistas que pudessem dar seu depoimento com um pouco mais de conhecimento de causa. Refiz a mesma instalação numa oportunidade que tive de expor nos EUA com artistas locais e a tonalidade do trabalho mudou sensivelmente. Nas duas versões existe a interpretação (de atores ou de artistas), mas pode-se levantar a mesma questão que surge na discussão entre documentário e ficção. É uma interface imprecisa e que depende da percepção de quem se relaciona com o trabalho.
Em alguns textos de sua dissertação de mestrado, você diz que, ao falar sobre arte e público, você fala sobre si mesmo. Por que essa questão se tornou tão importante em seu processo?
Auto-retrato. Acho essa palavra uma chave para se relacionar com meu trabalho. Todas as questões discutidas por mim não são simplesmente teorizadas. Primeiro partem da minha própria experiência como espectador e posteriormente são colocadas em confronto com o público. Num âmbito geral, boa parte dos artistas fazem trabalhos auto-referentes e os que faço são para mim objeto de estudo pessoal. O meu relacionamento com a arte contemporânea é colocado como experiência para outros espectadores.