Texto crítico Carla Zaccagnini, 2003

Texto publicado no folder do artista Wagner Morales, participante da III Mostra do Programa de Exposições do CCSP.

Sobre “Cassino, filme de estrada” exibido no Centro Cultural São Paulo - CCSP em novembro/dezembro de 2003


O plano é bem traçado e poder-se-ia dizer que deixa pouco espaço para acidentes. Num veículo a vela sobre trilhos a câmera registra seu único percurso possível. A duração é a do trajeto; a velocidade é a que proporciona o vento e permite o atrito das rodas no ferro; as imagens, as que se sucedem; a única narrativa, a do caminho. O áudio é o do ambiente, incluindo a música composta para a trilha, no volume que o microfone consegue captar do aparelho de som. Um travelling perfeito, sem adereços.

O destino foi escolhido a partir de uma imagem de satélite que mostrava, no desenho da costa brasileira, um detalhe que atendia a exigências específicas e arbitrárias. As informações do Guia de Praias confirmaram ser esse o local indicado: o Cassino, mil quatrocentos e cinquenta quilômetros ao sul de São Paulo, é a praia de maior extensão no mundo, com duzentos e doze mil metros lineares. Espaço interessante, esse da praia, faixa de areia que separa o mar da terra – às vezes mais areia, às vezes menos, dependendo das marés. Talvez por ocupar esse lugar de

fronteira o terreno arenoso é pouco estável, grava todas as pegadas com facilidade, mas por pouco tempo. A cada noite a água se ocupa de varrer todos os vestígios do dia anterior.

Mil quatrocentos e cinquenta quilômetros de estrada bem estudada e a velocidade certa. O plano é chegar ao Cassino em dois dias. A praia, aberta ao Atlântico, tem uma sequência de molhes em pedra avançando quatro quilômetros e meio oceano adentro, de maneira a amenizar a violência das ondas e suavizar o caminho das muitas embarcações que atracavam no porto de Rio Grande. Um vagão-veleiro leva os visitantes de uma

ponta a outra de cada molhe, da terra ao mar, e os traz de volta. O plano é ligar o aparelho de som, com a trilha determinada pelas imagens aéreas deste lugar e suas descrições ao turista, ao mesmo tempo em que se põe a funcionar a filmadora e se inicia o deslocamento linear, determinado pelo trilho. Um travelling perfeito.

Mil quatrocentos e cinquenta quilômetros de asfalto e o Cassino, mesmo se a viagem for perfeita, devem reservar surpresas. E é possível que o resultado da jornada em nada corresponda às previsões do artista e às descrições deste texto. Em todo caso, um road movie deve aceitar surpresas, ainda que a maior parte da estrada seja percorrida antes e depois da ação, ida e volta.

Zaccagnini, Carla. "III Mostra do Programa de Exposições" : 12 de novembro a 10 de dezembro de 2003. Centro Cultural São Paulo, São Paulo, SP,2003.