Entrevista 2003
Durante o festival discutiremos as questões do deslocamento e dos processos nômades como imagens e ações emblemáticas da situação política e cultural contemporânea. Como você reflete isso no painel da arte eletrônica? Este é um tema de interesse em sua obra?
Meu processo de criação está intrinsecamente relacionado a minhas experiências diante de realidades distintas da mimha vida cotidiana. Não vejo a arte eletrônica senão como um grande diário que cumpro e que é marcado por jornadas com intensas imersões em realidades paralelas. Saio de cada experiência amassado como papel velho necessitado de reciclagem. Vida e trabalho aí se confundem como corpo e imagem do corpo.
A relação entre arte e política é ao mesmo tempo rica e conflituosa. Como você percebe esta relação no caso específico do seu trabalho?
Antes de tentar mudar o mundo mude a si mesmo se puder. Diluo a política num contexto próximo e palpável. Desconfio da palavra revolução. Se é possível falar de política e corpo esta aí um viés por onde trabalho.
As tecnologias da imagem e da informação participam de estratégias de controle e vigilância, sutis (ou não) e generalizadas. Diante desta realidade, qual seria , a seu ver, o papel da arte em contextos midiáticos?
"Falta alguém para nos dizer a verdade. Falta alguém no banco que nos diga a verdade." Fred se refere aqui ao Big Brother já instalado em nossas vidas. Um certo show de Truman que se realiza. Menos da forma violenta das mãos de Estados opressores (ainda que existam) mas sim por um milhão de micro agulhas anestésicas a que somos submetidos dentro da cultura ocidental. O hiper capitalismo se instaurou num mundo onde a metade dos seres humanos ainda passa fome. A anestesia das picadas bloqueia a reação, bloqueia a vida. "Milhões de heróis se acotovelam em nossas telas enquanto nos nos velamos em nossas casas, chupando balas", completa. Acho que a arte não pode ser imbuída de um papel em si. O que tenho sugerido através de meus trabalhos é o de negar tudo que não seja vida, tudo que não seja movimento. Na tentativa de mostrar a eterna superação cíclica da visão de mundo dominante a arte acaba se tornando uma parte da ferrugem da estrutura. É parte dela na medida que a engole.
No contexto sócio-político e cultural contemporâneo, as identidades locais se reconfiguram em tensão com os fluxos globais. Inserida neste processo, a arte eletrônica participa como um campo aberto à experimentação e expressão de novas formas de subjetividade. Como essas questões se manifestam em seu trabalho?
Tudo a minha volta me modifica o tempo todo apesar de resistências e pré-conceitos. Da subejtividade emergente a este processo procuro realizar meu trabalho. Neste sentido o resultado é fruto de uma experimentação de linguagem constante expressa de diversas formas dependendo da variação do fluxo de realidade no qual estou inserido.
Atualmente, verifica-se nas culturas locais o desafio de reinventar as memórias pessoais e coletivas, sem deixar que elas se esvaziem frente aos fluxos de comunicação global. A seu ver, como este desafio se traduz nas experiências da artemídia?
"Da lama ao caos", como diria Chico Science. Pés cravados na lama e ligados na antena parabólica da experiência global. A arte nos meios eletronicos seriam a parabólica a que Chico se referia. Claro que este papel não se restringe as arte midiaticas mas se catalisa nelas pelo seu papel abrangente, principalmente na musica. A vídeo arte ainda se restringe a circuitos e galerias para iniciados mas não deixa de abordas as questões globais em relação as locais. Isso se traduz ,ao meu ver, desde experimentos formalisticos característicos aos tipos de abordagem de conteúdos. O artista acaba, mesmo sem querer, sem um filtro da experiência global via seu referencial local.
No contexto de abordagem dos meios eletrônicos-digitais , interessa-lhe as questões do corpo? Como o corpo aparece em sua obra?
Sempre fui muito influenciado pela relação entre corpo e arte. Posso dizer que grande parte de meu trabalho, ate agora, tem sido o de usar o vídeo, o cinema, a fotografia e o desenho como formas de expressão corporal. No enquadramento o corpo sugere um outro corpo. O recorte do quadro eh uma passagem simbólica de transmutação corporal. O que era um corpo solido divide-se, dilui-se e reagrupa-se.
Associação Cultural Videobrasil