Depoimento 2019
Transcrição de depoimento para a 21ª Bienal
No meu trabalho, o concreto e o arquivo sempre interagem. Passado e presente se entrelaçam, não existe uma ordem cronológica ou linear. Não existe causa nem efeito. Elementos do passado e do presente surgem uns de dentro dos outros, interagem entre si, lançam luz, criam fantasmas... É a mesma constelação; tudo está distribuído no mesmo mapa. Esse mapa é minha folha de papel, onde não existe nenhuma perspectiva, nem unidade espaço-temporal. Tudo se distribui conforme eu me desloco, não há esboço ou objetivo final. Trata-se de uma montagem não linear de imagens—pode-se dizer, uma “bricolagem visual”.
Como qualquer artista, os elementos da minha biografia, vida familiar e experiência de vida perpassam toda minha obra. Mas não me interessam como "objetos" dos meus trabalhos. No entanto, esses elementos intrinsecamente perpassam, e até definem, a minha prática: como o fato de que o biográfico e o político, o vivido e o histórico terem tido o mesmo peso no início da minha vida. A literatura e a ciência sempre me definiram, assim como sempre definiram meus pais. Crescendo em um ambiente deslocado, fragmentado, precisando improvisar e se virar com o que tinha devido à pobreza. Mais tarde, deixando a Tunísia e vivendo fora, vendo o país de longe, sentindo a complexidade da relação e da dominação Norte-Sul, a sobrevivência e a importância do passado e da memória... todos esses elementos constituem meu modo pessoal e específico de desenhar.
A arte é frágil. Sob novas formas, ela experimenta, descarta, parasita e desconstrói o que está estruturado, o que gera consenso ou norma, e a cultura está nisso. A arte talvez tenha tido um grande papel nos contextos árabes. Ela constituiu uma poderosa ferramenta de desconstrução das formas internas e externas de dominação, incluindo a cultural, questionando os termos “Primavera Árabe” ou “Revolução de Jasmim”, assim como outras representações orientalistas distorcidas.
Mas nem sempre é esse o caso, pois, para muitos artistas, sempre foi uma luta desvencilhar-se de estereótipos, sendo um deles o de “artista árabe”.