Depoimento 2019
Transcrição de depoimento para a 21ª Bienal
Em This Lemon Tastes of Apple, minha obra apresentada na 21a Bienal, somos levados para o interior de uma manifestação em Suleimânia, no Curdistão, em 2011. Não o vejo como um vídeo sobre o protesto, mas como um protesto em si. Não posso nem chamar de obra de arte, porque você não pensa em fazer uma obra de arte em vídeo em uma situação em que pode ser esmagado.
Naquele dia, as milícias começaram a atirar gás lacrimogêneo e balas, que mataram dez pessoas e feriram quase 500. Durante o protesto, que estava quase se encerrando devido a essa violência, que atingiu o ápice naquele dia, alguém precisava dar outro empurrão para reavivá-lo (o que na hora pareceu até um pouco heroico). Peguei emprestados de uma loja de música uma guitarra e dois megafones e pedi a meu amigo Daroon que tocasse e peguei minha gaita, e então começamos a caminhar na direção das milícias. Nem sequer usamos uma câmera, pois sabíamos que estávamos sendo filmados por todos os lados. Na verdade, um dos cinegrafistas é Kamaran Najim, que nos cedeu boa parte do material que você vê no vídeo. Ele foi sequestrado pelo ISIS em 2015 e nunca mais ouvimos falar dele.
Sabemos que o título da obra tem um papel importante. Em 1988, o exército de Saddam Hussein promoveu um genocídio dos curdos, matando milhares de pessoas usando armas químicas, no que ficou conhecido como o massacre de Halabja. O gás inalado, segundo os sobreviventes, tinha cheiro de maçã. O cheiro, desde então, tem uma forte associação com a memória política do país. O limão também havia sido usado nas manifestações de 2011 para aliviar o impacto do gás lacrimogênio. Usar a referência a esses dois cheiros – algo ao mesmo tempo etéreo e delicado – para associar esses dois acontecimentos brutais me parece um modo novo de abordar esses atos de resistência ao poder estabelecido.
Em This Lemon..., também busco me referir a duas formas de totalitarismo: um da época de Saddam Hussein, que era o modelo clássico, como nos anos 1930, quando uma única pessoa detinha o poder da totalidade do país; e o novo modelo de totalitarismo, em que o mercado detém todo o poder. Se aprendemos com Naomi Klein que a Guerra do Iraque foi um projeto neoliberal para forçar o país a privatizar tudo o que era público e que permitiu que diferentes investidores estrangeiros, como a Monsanto, entrassem no Iraque, entre outros projetos, vimos que eles atingiram seu objetivo no norte do Iraque. Esse protesto era contra isso.