VIDEOBRASIL 40 | 5º Videobrasil

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postado em 30/11/2022

No ano da Constituinte, festival é marcado por divisão entre vídeos televisivos e trabalhos experimentais

 

Com o fim da ditadura civil-militar e a realização, em 1986, das primeiras eleições diretas para governador desde 1960, o ano de 1987 foi marcante na história política brasileira. Os governadores eleitos no ano anterior, quase todos do PMDB (partido de oposição à ditadura), assumiam seus cargos, enquanto os deputados federais iniciavam os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte – que resultaria na Constituição democrática de 1988. Pareciam ser bons ares. Por outro lado, o Brasil era ainda um país social e economicamente desestabilizado: inflação galopante; declaração de moratória; enormes greves de trabalhadores; e a pobreza, a fome e a violência que pareciam longe de ter um fim.

 

 

É neste contexto que acontece o V Festival Fotoptica Videobrasil*, entre os dias 9 e 14 de setembro de 1987 no Museu da Imagem e do Som (MIS), com uma série de obras que refletiam este quadro político-social. Em grande parte, eram trabalhos de caráter documental – mesmo que alguns trouxessem também ficção e humor – com flertes cada vez mais diretos às linguagens televisivas. A esta altura, TV aberta e vídeo já se influenciavam mutuamente, apesar de um jogo de forças ainda desequilibrado. Outra parcela significativa dos trabalhos inscritos no quinto Videobrasil, no entanto, aprofundava pesquisas artísticas e experimentais, ligadas à constante inovação de linguagens buscada pelos realizadores dos anos 1980. Foram principalmente obras dessas duas “vertentes” que estiveram representados nos 50 vídeos selecionados para a Mostra Competitiva da edição, entre os 223 inscritos. 

O resultado da seleção: insatisfação dos dois lados. Para os realizadores mais próximos a TV, que haviam se profissionalizado e ganhado destaque no mercado em poucos anos, havia demasiado espaço para “trabalhos amadores”. Um artigo publicado na Folha de S.Paulo explicava a polêmica: “Marcelo Machado, 29, diretor da produtora Olhar Eletrônico, considera lamentável o Videobrasil não estar mais voltado para a TV. ‘O perfil das produções do festival foi ficando mais amadorístico, perto de um festival de Super-8’, afirma ele”. Do outro lado, estavam artistas experimentais como Rita Moreira, que declarou ser “um absurdo obras produzidas para a TV concorrerem com as experimentais”. Quem fez mais barulho na edição foi Tadeu Jungle, que após ter seu vídeo Caipira In – realizado com Roberto Sandoval e Walter Silveira, da TVDO –, de perfil artístico, deixado de fora da Mostra Competitiva, acusou o festival de ter se tornado um “vestibular para a televisão”. Para ele, o júri se mostrara “incompetente para julgar os trabalhos”.

Na mesma reportagem da Folha, a resposta de Solange Oliveira Farkas, fundadora e diretora do Videobrasil, era enfática: “Quando a organização pensa em critérios voltados mais para a videoarte e para vídeos experimentais, as produtoras criticam dizendo que o festival se fechou ao amadorismo. Quando os critérios de seleção se aproximam das produções cujo objetivo é a comercialização, os produtores de vídeo experimental reclamam dizendo que o festival quer reproduzir o estabelecido. Um equilíbrio ofende as duas vertentes”.

 

 

O debate não se encerraria ali, tendo reflexos nos anos seguintes. Seja como for, a lista dos dez vencedores daquele ano contemplava os dois lados da história. O campo artístico surgia, por exemplo, no surpreendente Uakti, uma das obras mais marcantes do mineiro Eder Santos até o momento. O vídeo trazia os músicos do grupo instrumental Uakti tocando o Bolero de Ravel em tambores de água, enquanto interferências com imagens de peixes e grafismos produziam efeitos visuais inesperados. Contemplado com o Grande Prêmio em U-matic estava também Heróis da decadên(s)ia, de Tadeu Jungle e TVDO, trabalho experimental com participação dos poetas Waly Salomão, Roberto Piva e Walter Silveira, depoimento de Dom Paulo Evaristo Arns e cenas com músicos e atores. Em protesto por conta da polêmica na seleção, Jungle não subiu ao palco para receber o troféu.

Da vertente ligada à TV, foram premiados O mundo no ar, do Olhar Eletrônico, uma paródia de telejornal que mistura fatos reais com ficção e apresenta o repórter Ernesto Varela, criado e interpretado por Marcelo Tas; e O Homem da mala, da TV Viva – o coletivo que surpreendera a todos com Amigo Urso no ano anterior –, em que um ator interpreta um camelô e faz campanha eleitoral, nas ruas de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, pelo candidato ao governo de Pernambuco Miguel Arraes.

Menos enquadrados nas “duas vertentes”, outros destaques da edição foram trabalhos que investigavam aspectos ásperos da realidade social do país. Entre eles estavam Stultifera Navis, de Clodoaldo Lino e Eduardo Medrado, um documentário sobre a colônia psiquiátrica Juliano Moreira, no Rio, onde morou Arthur Bispo do Rosário, com depoimentos dos internos e entrevistas com filósofos e psicólogos; Beijo na boca, de Jacira Melo, sobre a prostituição na Boca do Lixo, na região central da cidade de São Paulo; e Pivete, de Geraldo Anhaia Mello e Lucila Meirelles, curta documental com linguagem poética filmado na Febem do Tatuapé.   

Por fim, os videoclipes, assim como no quarto Videobrasil, seguiram em evidência, catapultando a carreira dos jovens músicos nacionais. Entre eles estavam dois trabalhos dirigidos por Antevê, Roberto Berliner e Sandra Kogut: A novidade, dos Paralamas do Sucesso, trazia os membros da banda interagindo com os passageiros da balsa Rio-Paquetá; e Kátia Flávia, a Godiva do Irajá, executada por Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros, flagrava a vida noturna e os personagens de Copacabana. 

 

 

Vídeos do mundo e mostras paralelas

Para além da competição, apenas com vídeos nacionais, a mostra de trabalhos estrangeiros consolidou a internacionalização do evento, instituída especialmente no ano anterior – e um caminho sem volta na história do Videobrasil. Filmes da França, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos ganharam destaque na Mostra Internacional do festival através de parcerias com o Instituto Goethe, o Consulado dos EUA, o Centro Franco Brasileiro de Documentação Técnica e Científica e o British Council. Os vídeos do sul-coreano radicado nos EUA Nam June Paik, um dos precursores da arte eletrônica e da videoarte nos anos 1960, foram uma das principais atrações. 

Mas foi o norte-americano Ira Schneider o grande convidado estrangeiro do quinto Videobrasil. O artista, que esteve no Brasil para o evento, recebeu uma mostra paralela inteiramente dedicada à sua inovadora produção realizada entre 1969 e 1987. Entre as obras estavam um registro da instalação em nove monitores Wipe Cycle, apresentada na Creative Medium, em 1969, uma mostra com Schneider, Paik e outros realizadores, considerada um dos marcos iniciais da videoarte; e Night Live TV, programa de Schneider transmitido em um canal a cabo em Manhattan. Para uma reportagem da Folha publicada no contexto do festival, intitulada “A videoarte do ‘papa’ Ira Schneider”, o realizador afirmava ter gostado muito de ver trabalhos de brasileiros como José Roberto Aguilar, Geraldo Anhaia Mello e Artur Matuck. 

Como já era costume, o Videobrasil acompanhou também as evoluções tecnológicas que caminhavam rapidamente na segunda metade dos anos 1980. O trabalho experimental Teleshow by Dr. Sharp, por exemplo, conectava Matuck com o artista nova-iorquino Willoughby Sharp através do aparelho Slow Scan TV, uma incipiente tecnologia de transmissão que possibilitava o envio de imagens estáticas em escala internacional. Enquanto o performer e escritor americano transmitia suas mensagens, um Slow Scan instalado no MIS as decodificava e transmitia para o público do festival, gerando uma espécie de videoinstalação sobre os meios eletrônicos de comunicação planetária. A mostra Multimídia, por sua vez, apresentou oito trabalhos de Ricardo Nauemberg – responsável pelas vinhetas e aberturas da Rede Globo –, exemplificando os usos criativos de maquetes 3-D, “videographs”, laser e animação. Ainda no caminho da evolução tecnológica, o Videobrasil realizou o Video Rallye, um workshop de “vídeo técnicas” com Luiz Algarra e Alberto Blumenschein.

Vale destacar ainda a mostra paralela Pesquisa de linguagem em TV, que apresentou alguns exemplos marcantes da inserção das produções em vídeo na programação televisiva ao longo da década. Estavam lá programas como Mocidade independente e Fábrica do Som, da TVDO, a série Armação Ilimitada, de Guel Arraes, e Negro Léo, de Luís Gleiser. Como destacava Thomaz Farkas, presidente da Fotoptica, em texto de apresentação do quinto Videobrasil: “Há cinco anos, o festival era uma corajosa e visionária aventura que mostrou a um público ainda incrédulo o trabalho iniciante de jovens talentosos lutando com dificuldades técnicas e de equipamentos para impor uma atividade que, na época, simplesmente inexistia. Hoje esses jovens videomakers já estão mergulhados em sua profissão, já conquistaram um mercado de trabalho dentro e fora das emissoras, já têm o prestígio garantido pelo sucesso de público e de crítica”. E ele concluía: “Cinco anos atrás semeamos uma atividade nascente, de destino incerto. Hoje estamos colhendo esses frutos, com a certeza de que o vídeo, e todas as suas ramificações eletrônicas irão ocupar um espaço crescente em nossas vidas”.

De fato, o vídeo já não era mais novidade e conquistava seu lugar em outras mostras pelo país, como a Jornada de Cinema da Bahia e o Festival de Vídeo Independente de Fortaleza. Neste mesmo ano, a videoarte ganhou um setor exclusivo na 19ª Bienal de São Paulo, com curadoria de Rafael França e a participação de vários realizadores já habituais no VB. Entre eles estavam Artur Matuck, Olhar Eletrônico, Rita Moreira, Tadeu Jungle e Walter Silveira. Por fim, o ano de 1987 foi também o primeiro em que o Videobrasil realizou sua itinerância pelo Brasil, levando trabalhos para Minas Gerais, Rio de Janerio, Paraná, Bahia, Rio Grande do Norte, Piauí, Pernambuco e Maranhão. Essa circulação nacional se tornaria também prática corrente do festival.

 

Por Marcos Grinspum Ferraz

*a nomenclatura utilizada para intitular a principal mostra organizada pelo Videobrasil, hoje chamada Bienal Sesc_Videobrasil, passou por adequações ao longo dos anos. As mudanças se deram a partir da percepção dos organizadores sobre as características de cada edição, especialmente no que se refere ao seu formato; duração; periodicidade; parcerias com outras empresas e instituições; e à expansão das linguagens artísticas apresentadas. Os principais reajustes no título das mostras foram: inserção do nome da empresa parceira Fotoptica entre a 2ª (1984) e a 8ª (1990) edições; a inclusão da palavra “internacional” entre a 8ª e a 17ª (2011) edições, a partir do momento em que o evento passa a receber de modo intensivo artistas e obras estrangeiros; o uso do termo “arte eletrônica” entre a 10ª (1994) e a 16ª (2007) edições, quando se percebe que a referência apenas ao vídeo não dava conta dos trabalhos apresentados; a inclusão do nome do Sesc, principal parceiro da mostra nas últimas três décadas, a partir da 16ª edição; e a substituição de “arte eletrônica” por “arte contemporânea” entre a 17ª edição e a 21ª (2019) edições, a partir do momento em que o foco se expande para as mais variadas linguagens artísticas. A mais recente mudança significativa se deu em 2019, na 21ª edição, quando o nome festival é substituído por bienal, termo mais adequado a um evento que já vinha sendo realizado bianualmente e com uma duração expositiva de meses, não mais semanas.

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Imagens: Acervo Histórico Videobrasil

1. Cartaz do quinto Videobrasil, por Kiko Farkas.

Galeria 1
1. “Uakti”, de Eder Santos.
2. “Heróis da decadên(s)ia”, de Tadeu Jungle e TVDO.
3. Croqui das telas no espaço expositivo do festival.
4. Telas no espaço expositivo do festival.
5. “Beijo na boca”, de Jacira Melo.
6. Rita Moreira, Walter Silveira e José Luiz Nogueira.
7. “Um filme na noite”, de Paulo César Soares.

Galeria 2
1. “Pivete”, de Geraldo Anhaia Mello e Lucila Meirelles
2. Eder Santos recebendo prêmio.
3. “O mundo no ar”, do Olhar Eletrônico.
4. O workshop “Video Rallye”.
5. “Duvideo”, de Clóvis Aidar, Conecta Video, Olhar Eletrônico, Renato Barbieri e Videoimagem.
6. Jacira Melo recebendo prêmio.
7. “Stultifera Navis”, de Clodoaldo Lino e Eduardo Medrado.