Cobertura: Leituras Sobrepostas
Durante três dias, os visitantes do 18º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil encontraram novidades nas mostras que estão em cartaz no Sesc Pompeia desde novembro do ano passado. Novos textos de artistas convidados sobre as obras disponibilizados em bloquinhos em formato de legendas nas paredes, livretos discretamente posicionados sobre os bancos com reflexões de um curador, performers misturados em meio ao público acompanhando a visitação e um curta de ficção foram alguns dos produtos realizados a parte das ações de ativação Foco 7 - Leituras Sobrepostas, parte dos Programas Públicos da 18ª dição do Festival. Os curadores Galciani Neves, Julio Martins e Paulo Myiada e a diretora de artes cênicas Carolina Mendonça, responsáveis por estas provocações da relação do público e das possibilidades de novas escrita a partir das mostras, debateram com o público suas ações, no Galpão do Sesc Pompeia.
No sábado, dia 18.1, foi a vez da artista e performer Carolina Mendonça apresentar o segundo dia de sua proposta de ativação e releitura das mostras Panoramas do Sul e 30 anos, com a performance Público. As atividades tiveram início no último dia 16, com a apresentação da curadora Galciani Neves de sua proposta de ativação, Escrituras Sobrepostas, e prosseguiram com as apresentações do curador e historiador de arte Júlio Martins, no dia 17 (sexta-feira), e do arquiteto e urbanista Paulo Miyada, no sábado, dia 18, sobre suas respectivas propostas.
Enquanto Júlio Martins apostou, como Galciani Neves, em possíveis leituras das mostras Panoramas do Sul e 30 anos sob o uso da palavra escrita em 4 Livros à Margem, Miyada criou um curta-metragem, Mixtape: Videobrasil, para lançar novo olhar à exposição: uma reflexão crítica sobre a arte a partir da perspectiva das próprias obras e também da relação com o público, que se torna parte dessa atmosfera.
Público, de Carolina Mendonça, propõe olhar sobre espectador de exposição
Para criar seu projeto para o Foco 7 - Leituras Sobrepostas, Carolina Mendonça, artista das áreas de dança e teatro, e que também dirige espetáculos, pensou nas reações possíveis e particulares de casa espectador durante uma visita à mostra. “Quis analisar a relação do público com o espaço expográfico e com as obras”, explicou Carolina.
Inspirada pelo texto de Publics Fear, da historiadora de dança iugoslava Bojana Cevik, Carolina estudou maneiras sutis de seus quatro performers interferirem no percurso de visitantes, respeitando seu ritmo, a fim de constatarem as reflexões induzidas pela artista em seu projeto. Os atores, segundo ela, foram instruídos a seguirem determinadas regras de acordo com as atitudes, gestos e olhares de cada visitante observado. Ao final da visita, ou quando o espectador percebia a intervenção e se manifestava, o ator revelava o jogo, e citava o seguinte trecho de um texto de Bojana Cevik:
“É uma visão comum hoje que no momento em que nós nos vemos em público – se não antes disso, uma vez que somos seres sociais desde o início – nós nos percebemos performando nós mesmos diante dos outros”.
As intervenções aconteceram no dia 17, sexta-feira, e no dia 18, sábado, no espaço expositivo da mostra competitiva Panoramas do Sul, no segundo andar do conjunto esportivo do Sesc Pompeia.
Projeto 4 livros à Margem, traz reflexões experimentais do curador sobre temas inspirados na mostra Panoramas do Sul
O curador e historiador de arte Julio Martins iniciou o bate-papo sobre 4 Livros à Margem, sua criação para o Foco 7 - Leituras Sobrepostas, explicando que decidiu trazer à tona um aspecto de toda proposta curatorial: “preservar o que a arte ativa em nosso pensamento”.
Martins mostrou no telão algumas páginas de Iluminuras, uma série de sete livros de sua autoria que, segundo ele, serviram de inspiração para o projeto. Ele e Marco Antonio Mota mantiveram cadernos de anotações paralelos ao processo curatorial e produziram intersecções entre seus desenhos, fotografias, leituras, escritos, conversas e jogos. Cada livro foi encadernado à mão. O primeiro capítulo ensina como imprimir e encadernar o seu próprio livro, idêntico ao que se tem em mãos.
A respeito de sua ideia -- elaboração de quatro livretos que estão disponibilizados nos bancos do espaço expositivo, esperando pela consulta do visitante --, ele explicou que preservou intacta a fruição de suas reflexões sobre a mostra, escrevendo até em um deles em primeira pessoa, prática que ele evita em suas produções como curador. “Não editei para não perder a intensidade”, afirmou Martins.
Intitulado Inframinces (termo cunhado pelo artista Marcel Duchamp), um dos quatro livretos que compõem o projeto, traz um discurso metalinguístico da expografia a partir da relação das obras nos espaços do Sesc Pompeia. Martins traçou uma analogia entre as quadras poliesportivas, embaixo do tablado construído para a mostra Panoramas do Sul, e as obras expostas, como se estas estivessem em competição, assim como os jogadores em campo. “Enxerguei vídeos da mostra como placares eletrônicos”, acrescentou.
Ele ainda falou que tentou, durante suas visitas à exposição para a criação do projeto, preservar a “energia do momento”, tendo em vista que era um trabalho experimental. Martins ressaltou que decidiu, contudo, manter a sutileza e a discrição em relação ao público, mesmo quando se “flagrou” observando imagens de um vídeo através dos olhos dos espectadores, numa atitude que ele chamou de “clandestinamente obscena”.
Mixtape, de Paulo Miyada, sugere reflexão crítica sobre a arte partindo do olhar do público e da própria obra
Após a exibição de Mixtape: Videobrasil no Galpão do Sesc Pompeia, onde está montada a exposição 30 anos, o arquiteto, urbanista e curador Paulo Miyada, diretor do filme, se reuniu com a arquiteta Jihanna Nassif e com o designer Felipe Kaizer, que fizeram o papel de um casal no seu filme, e com o câmera do curta, Ricardo Miyada, para comentarem a concepção do projeto dentro do Foco 7 dos Programas Públicos, Leituras Sobrepostas.
Miyada explicou que o público, como um dos dispositivos dentro do espaço da exposição, é um lugar de produção de sentidos, que é possível de ser estudado, e que pode produzir sentido. Motivado por essa idéia, ele decidiu que a visita de um casal de namorados à mostra fosse contaminada com o que está ao redor, de modo que o vídeo, meio ficção, meio documental, levasse em conta os assuntos da atualidade nos diálogos dos personagens.
Quanto à técnica de filmagem, o arquiteto optou pelo improviso, originário dos jogos teatrais, colocando aos atores apenas palavras-mote e adiantando para eles algumas passagens programadas. “Escolhi também duas pessoas que não são atores, mas são público recorrente do mundo da arte”, comentou Miyada sobre os protagonistas do vídeo.
Um dos ativadores do debate no filme é a conversa do casal com dois mediadores da mostra. Segundo Miyada, foi interessante ouvi-los, pois é curioso pensar que estes profissionais são as únicas pessoas que poderiam “devolver” ao artista o que aconteceu com sua obra durante a exposição, ou seja, qual foi a reação do público diante de sua criação.
Ele ainda afirma que embora o artista seja desprovido de certezas – ele nunca saberá ao certo o que sua obra causará no público -, ele é ao mesmo tempo arbitrário, pois “ele dá o que ele quer para o mundo, através da obra, e a pessoa tem que se virar com aquilo”, explicou.
Ao ser questionado sobre ter interpretado um personagem no filme, ou a ele mesmo, Felipe Kaizer respondeu que, embora a intenção fosse ser ele mesmo, ele teria que seguir um script, ser um personagem de um filme, com uma namorada que não era dele na vida real. “Não temos o controle de nada quando estamos em cena. Em nenhum momento, nós enxergamos o que quem assistiu enxerga”. Jihanna ressalta que o fato de ser um casal apenas no filme, e não na vida real, já determina a impossibilidade de interpretar a si mesmo. Ricardo Miyada, que filmou o curta, disse que optou por captar detalhes na relação do casal que estimulassem a imaginação do espectador, ao que Paulo Miyada completou citando Truffaut, “todo filme conta a história de uma bela mulher”.
O 18º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil permanece em cartaz até o dia 2 de fevereiro no Sesc Pompeia. Os Programas Públicos do Festival continuam com as atividades do Foco 8 – À Luz dos 30 Anos. No dia no dia 30 de janeiro, às 20h, acontece no Galpão o encontro Exposições em Contexto, com Ana Maria Maia e Daniela Labra, e mediação de Ana Pato, relacionando as mostras do Festival e exposições de arte das três últimas décadas. No dia 1 de fevereiro, às 16h, os Programas Públicos do 18º Festival são encerrados com o encontro 30 Anos: Memória e Atualizações, reunindo Solange Farkas, Moacir dos Anjos, Arlindo Machado, Eduardo de Jesus, Gabriel Priolli Netto e mediação de Tete Martinho.
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