Encontro debate interação entre vídeo, cinema e artes visuais no Pivô
No ano em que comemora 30 anos de história, o Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, em sua 18ª edição, debateu na noite de quarta-feira (18/DEZ) um dos temas mais caros à sua história: a expansão do vídeo e sua relação com outras linguagens, no encontro Estranhamento zero: o vídeo entre o cinema e as artes visuais, parte da programação do Foco 6 - Reflexões em Deslocamento dos Programas Públicos do Festival, que propõe encontros que vão além dos espaços expositivos do Festival e suas temáticas.
Mediado por Eduardo de Jesus, um dos curadores do Festival, o debate teve a participação do cineasta Kiko Goifman (Filmefobia, 33, Olhe pra mim de novo), que participou da 10ª à 15ª edição do Festival; do artista plástico e cineasta Cao Guimarães (A Alma do Osso, Andarilho), que esteve em cinco edições anteriores do Festival; e da diretora da Escola de Comunicação da UFRJ, Ivana Bentes, pesquisadora e escritora da área de cinema.
Para abrir o encontro, dois filmes foram projetados. Concerto para Clorofila, de Cao Guimarães, que apresenta uma sequência de paisagens naturais ao som da música instrumental que dá título ao filme, e Território Vermelho, de Kiko Goifman, feito a partir da iniciativa de deixar uma câmera na mão de pessoas que trabalham ou pedem dinheiro em semáforos. Os dois filmes foram apresentados na 15ª edição do Festival, que aconteceu em 2005.
Para Ivana Bentes, que abriu o debate, nunca houve um “estranhamento zero” entre o vídeo e as outras linguagens – cinema, TV e artes visuais –, que acabavam por marginalizá-lo, ao mesmo tempo em que ele criava uma linguagem própria e se apropriava de outras, como as artes plásticas. “No vídeo do Kiko (exibido antes do debate), estão incorporadas várias outras linguagens. A força da imagem faz com que ela seja apropriada e revirada”, afirmou. Para Ivana, os vídeos produzidos pela Mídia Ninja, por exemplo, fazem uma apropriação selvagem da imagem. “Eles descobrem a estética colocando o corpo na rua, neste estado de urgência.”
Cao Guimarães vê “o vídeo como uma ferramenta de captura de imagem em movimento como a película e o Super 8”. Para ele, a função do vídeo hoje se equipara à do folhetim no século 19, que é a de narrar a vida cotidiana. Nos anos 1980, porém, quando o vídeo começou a se estabelecer, ele foi também responsável por quebrar paradigmas da linguagem do cinema, trazendo de volta, por exemplo, o espaço para a tela. “O cinema é uma arte do tempo, é uma arte em que o espaço foi eliminado por inteiro”, disse. “O vídeo foi meu cinema não só por trazer planos longuíssimos, deixar o fluxo da vida entrar, como trouxe a ideia de espacialidade de volta para o cinema.”
Além disso, segundo Cao, o vídeo foi uma oportunidade para aqueles que desejavam trabalhar com cinema, com a imagem, por conta de seus custos menores. “Não tinha como fazer cinema, o vídeo foi um meio.”
Foi por essa dificuldade de se aproximar do cinema - mesmo porque os distribuidores não exibiam nem se interessavam pela videoarte - que a sua obra se aproximou das artes plásticas, sendo exibida em galerias, reflexos de um fenômeno geral que marcou a aproximação destas linguagens. “Se a gente pega a videoarte nos anos 1980, a quantidade de metáforas que havia, o infinito, a imagem rebobinada, a gente vê que é a descoberta de uma linguagem”, afirmou. “Mas não vejo estranhamento zero (entre as linguagens). Vejo estranhamento máximo.”
Kiko Goifman falou da importância do festival em sua carreira. “Essa ideia do punk sempre norteou minha vida. Do it yourself (faça você mesmo)”, contou. “O cinema é careta historicamente, comercial, problemático. O Videobrasil foi um lugar em que vi muitas inovações e que possibilitou que eu produzisse também”. Ele lembrou que nos anos 1980 quem fazia vídeo era mal visto por quem trabalhava no cinema. “Quem fazia vídeo era a escória da escória.”
Criadora e curadora-geral do Festival, que foi o meio de acesso para toda produção em vídeo que se fazia nos anos 1980, Solange Farkas afirmou que a videoarte, naquele momento, passou por um momento de afirmação. “Era preciso se criar um espaço para a afirmação do vídeo enquanto linguagem. O vídeo era rechaçado pelos dois pólos em que ele deveria estar, tanto o cinema quanto a TV. E o festival veio cumprir esta função, de dar visibilidade a toda esta produção”, contou.
No final da mesa, Ivana Bentes lançou uma questão. “Onde se dá o estranhamento máximo hoje? A gente está num mundo de conflito. Os artistas não estão nas ruas, a rua não está na galeria”, afirma.
Todos os presentes concordaram, porém, que os limites entre o cinema, artes visuais e vídeo estão cada vez mais diluídos, assim como os conceitos de arte e artista.